vida

Tente só começar uma mudança simples

É obvio. A única perspectiva que temos da vida é a nossa. Não há como perceber o mundo fora de si. O resto são lampejos de desconfianças que vamos recolhendo a partir de experiências, colecionando interpretações parciais do mundo e eliminando as figurinhas repetidas. Vamos juntando observações enviesadas num arranjo de ideias pessoais e montando crenças com nossos olhares superficiais de tudo que sentimos e pensamos que somos.

É por isso que é importante nos educarmos a olhar para tudo que nossos olhos percebem, mas também desconfiar do que admitimos ver. Trocar óculos fracos e incriminar a visão cansada. Perceber-se com um pouco mais de cuidado e coragem tem que nos colocar num caminho de responsabilidades e compromissos. Caso contrário, o trabalho todo foi em vão.

Dá para alfabetizar nossa vida para uma leitura mais clara da realidade, é possível sim deletar mentiras bem contadas, reorganizar tramas e narrativas de um modo que possamos abandonar a falsa impressão de si. Tudo isso tem uma consequência clara: aprendemos o que funciona para a gente (para nos ajudar a criar meios de alimentar isso) e nos faz descobrir o que nos causa o mal frequente (para nos indicar como criar planos concretos de afastamento disso). Esta é a balança emocional que mais se aproximou do equilíbrio para mim.

Só o fato de buscar e manter a clareza disso já nos empurra para um universo transparente de sanidade possível. Não dá para desejar o bem-estar mínimo sem se visitar eventualmente. Não dá para tirar férias de si. Não podemos esconder muito tempo aquilo que mais nos perturba. No entanto, olhar para si com a transparência aguçada é um desafio maior para quem está acostumado com a história recortada que aprendeu a contar sobre si mesmo.

Se somos os únicos que sabemos com mais precisão como estamos nos sentindo, deveríamos ter mais contato com essa verdade. No entanto, o impulso é outro, é fácil fugir dessa constatação mais graves e perder o interesse em se responsabilizar. Você precisa para com isso, mas fazer isso imediatamente. No próximo minuto. Não minta para você. Ou melhor, pode até mentir, mas saiba que está adiando a sua própria cura.

Repare bem como assumir compromissos com a responsabilidade difere de imputar culpas sem critérios. Apenas não desista de você. Carregamos culpas históricas e driblá-las é um trabalho tão pessoal que normalmente não assumimos essa demanda como real. Não são só as pessoas que veem parte de nós, não é dever delas nos entender, se esforçar para nos compreender ou ter que tomar atitudes a nosso favor. Ninguém te deve nada. Você se deve amor, respeito, confiança e ação.

Se a gente não tiver uma mente treinada com a verdade constatável, nós também podemos nos enganar a nosso próprio respeito e desviar das nossas próprias demandas. É fácil ver que algo não está funcionando, mas você não deveria estar preocupado em perder algo que já não ama, que não faz bem, que acabou. Se você tem algo que não consegue abdicar, não é você que tem esse algo, é esse algo que tem você. Ande no caminho da honestidade, da curiosidade e da humildade consigo meso. O que quer que seja, defenda-se de si mesmo. Faça uma prece em favor da sua mente e do seu coração. Mesmo que não tenha religião.

Comece não transferindo coisas simples. Não dependa de recursos que não possui. Dinheiro, tempo, pessoas não estão sempre disponíveis. Experimente algo novo. Se tem que fazer, arrume um jeito de fazer tudo que pode com o que tem nas mãos, mas se mova em direção de algo mesmo que não entenda as garantias daquilo. Acredite na suposta sorte como se tudo dependesse dela. E trabalhe como se ela não existisse. Assuma responsabilidades e compromissos. Seja digno da sua própria confiança.

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A vida tem dessas…

É verdade, nem tudo na vida acontece conforme a gente quer. Nossos pais vão ficando cheios de cabelos brancos e um dia se vão, mesmo que a gente nunca aceite isso.

Num dia qualquer seu chefe entra na sala, pede seu crachá e simplesmente não se importa com toda aquela hora extra dedicada àquilo que, no final nem é seu. A pessoa que a gente ama e pensa que nunca vai sair de perto se apaixona por outra, casa-se com ela e vive feliz enquanto você tem que suportar o cinismo do seu coração gritar. A vida tem dessas.

É verdade, nem tudo na vida faz sentido. A gente sempre vai sentir-se meio perdido no meio do mundo corrido, mesmo que tenhamos o melhor emprego na melhor empresa do mundo, a melhor família na maior casa do bairro, o melhor estilo de vida que o dinheiro possa nos dar na pouca idade.

Vamos sempre sentir falta de alguma coisa especial, de uma pessoa específica, de um beijo não dado, um sorriso perdido, um cheiro nostálgico, uma gargalhada que morreu na saudade. Nem tudo precisa ter um eterno sentido para ser bom. A vida tem dessas.

É verdade, a gente se preocupa com coisas nada importantes. A gente se incomoda com o cabelo mal cortado, com a roupa nada ideal para a ocasião, com o que dizem injustamente sobre a gente, se estressa com a mania boba do outro de balançar a perna inquietamente ou estralar os dedos no nervosismo sem olhar para nossos próprios vícios de personalidade e comportamento. A vida tem dessas.

É verdade, a gente se esqueceu do essencial. A gente se choca com o celular antigo e fora de moda em cima da mesa, irrita-se com o trânsito lento na marginal ao invés de apenas relaxar, se acostuma a não ligar para os avós, a não fazer uma faxina atrás do sofá, e damos bola demais para o que as pessoas falam da gente sem nem se dar conta que elas não nos conhecem. A vida tem dessas.

É verdade, às vezes, a gente se sente sozinho mesmo cheio de gente do lado e não encontra uma alma sequer para tomar um café com a gente. Às vezes, ninguém nunca vai nos entender na vida, mas tudo bem, porque todo mundo é meio complicado. Nem todo amor durará para sempre, e tudo bem, porque precisamos entender que as pessoas mudam. Eventualmente, vamos sentir que tem algo de errado com a gente, e tudo bem também, pessoas normais são tão monótonas. A vida é essa eterna luta contra a solidão.

É verdade, muitas vezes vamos ter o desejo de ser estimado por pessoas que não são essenciais na nossa vida, vamos querer ser amados por gente que não tira o olho do seu próprio ventre, iremos atrás de exaltação e admiração mesmo no mais simples post boboca do Instagram, buscaremos ser honrados em meios que, no fim das contas, não muda nada na nossa vida. A vida tem dessas.

É verdade, a gente precisa aprender a entender o primordial da vida. Frequentemente, teremos o desejo de ser preferidos em relação a outros, de ter sido consultado e considerado antes de uma grande decisão, de ter sido aprovado por pessoas que nem valorizamos tanto assim. A vida tem dessas.

É verdade, temos medos que não fazem sentido. Morremos de medo de ser humilhados diante de pessoas, de ser repreendido por forças e ideias que não nos representam, de ter passado pela vida e ser esquecido na desimportância de um detalhe, de ser ridicularizado frente a enxovalhos irreversíveis, de ser prejudicado por decisões simples. A vida tem dessas.

É verdade, de nada vale fingir. Não adianta enganar-se de que temos o controle sobre a vida, de simular que não temos coleções intermináveis de fracassos, de sabemos valorizar sim o que temos, de acreditar que fazemos muita coisa importante com nosso tempo, fingir que de pensar apenas nas coisas legais que nos marcam, estamos sempre mudando para melhor, que temos uma coragem que não temos, que a ansiedade não nos atrapalha, que não estamos atrás de sentimentos temporários, que não precisamos perdoar pessoas, que estamos satisfeitos com a vida que levamos, que estamos atrás de justiça, quando, na verdade, é pura vingança, que somos produtivos porque estamos sempre ocupados, que não gostaríamos que todos fossem nossos clones, mas melhorados.

A vida tem dessas. A gente só precisa de coragem para ser quem a gente sempre quis ser e ter disciplina para agir conforme a gente mesmo pensou para nós. A gente só precisa assumir a nossa mais cruel e verdadeira humanidade. Não há esconderijos suficientes a guerra que a vida é.

É verdade, a vida é foda, mas não dá para deixá-la passar sabendo que a gente não a viveu como deveria ter vivido. Ou, pelo menos tentar.

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O mito do “quem sabe faz ao vivo”

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O Fausto que me perdoe. Fazer ao vivo não é para todo mundo. Muito menos somente para quem sabe das coisas. Por sorte, eu sou um bom improvisador, mas mesmo assim, ensaios são fundamentais. Se a vida pudesse ser gravada, eu preferiria.

A verdade é que muita gente tem talento de sobra, mas isso nunca o blindou de um erro crasso. Até mesmo os maiores cantores desafinam na hora H. Os dançarinos tropeçam. Os atletas passam quatro anos treinando para umas olimpíadas e pipocam. Pergunte a eles se pudessem fazer tudo até acertar se não seria melhor.

É difícil funcionar na pressão. Bons pintores fazem coisas ruins. Montanhistas morrem numa avalanche (Nada mais ao vivaço que correr de uma montanha despedaçando). O menino do sinaleiro passa o dia fazendo aquilo e mesmo assim deixa a bola cair.

“Ao vivo” não é para quem sabe, mas é para quem tem coragem de se expor a um erro. Este é o ponto.

Falo isso porque muita gente hoje se inerte diante do fracasso. Muitos até podem realmente não estar na sua melhor forma, mas quem não se vê com um talento notório acaba por imaginar que nunca vai pertencer ao grupo dos virtuosos que sabem “fazer ao vivo” e bem feito.

Todo bom rimador já se embananou no beat. Todo comediante se perdeu no trocadilho. Isso porque o ao vivo, não serve para provar competência, mas para testar a capacidade de superar nervosismo. Nada mais emocionante pro ser humano que a eminência do erro.

Ninguém está livre dos erros. É assim com crianças, com professores renomados e era com o Michael Jackson. É assim com o empreendedor, com o médico e era com o Senna. Até mesmo quem pilota carros com talento, perde a curva. E quem erra ao vivo? E quem morre ao vivo? E quem vacila ao vivo?

Fazer algo sempre é um risco. Botar o rosto e arriscar é sempre difícil.

Tem gente que consegue sem muito esforço. Outras, precisam de anos de aperfeiçoamento. Uns cortam caminho, outros andam mais para chegar lá. Não tem regra. Há pessoas que morrem tentando, outros morrem mesmo conseguindo. Existe quem vivem tentando, outros vivem apenas porque conseguiram.

A arte de “fazer ao vivo” é para pouquíssimos. E mesmo assim, alguns não sabem perfeitamente como sair de possíveis enrascadas, não conseguem usar experiências para prever e prevenir a tempo da tragédia. Não é sobre acovardar-se diante do imediato, é sobre estar seguro mesmo no erro. É sobre agir naturalmente quando precisarmos.

Tenho a impressão que, hoje em dia, tudo é sobre fazer. Fazer alguém feliz. Fazer acontecer. Fazer questão. Fazer novas amizades. Fazer intriga. Fazer as pazes. E fazer tudo isso ao vivo sem direito a cortes e erros?

Estamos realmente cobrando de nós, dos outro e do mundo um momento perfeito o tempo todo?

Eu sei que, ás vezes, há momentos sem volta. No entanto, não tem problema cair no meio de num monte de gente. Não tem problema mostrar-se falho, às vezes estúpido, de vez em quando bobo, ocasionalmente inseguro, por vezes nada parecido com um herói que venceu o vilão. Não tem problema ser limitado, o problema é fingir que é imbatível mesmo diante do improvável.

Você só se livra dessa pressão de “ter que dar certo” quando aprende a entender a si mesmo, ao descobrir que pode escolher fazer ou não algo, que nem sempre precisa de provar nada para você e nem para ninguém, que pode inaugurar uma natureza própria sem seguir padrões, que se é para fazer, que façamos a diferença bem longe dos holofotes, dos aplausos e das plateias antes de mais nada.

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É assim que eu me sinto aqui

Ando na rua sufocado. Com o ar enclausurado no peito e a alma livre pra blasfemar contra o mundo. Percebo o vento cortar meu nariz na fragrância balsâmica da coragem, corroída pelo iminente medo.

Sinto na nuca uma presença constante do privilégio me dizendo verdades cruas. Não escondo nos tapetes da emoção, a minha angustia diante do sofrimento de outros, mas não desanimo no olho a olho com as pequenas felicidades.

Este mundo é um lugar inacabado e a culpa é de ninguém. Tenho a impressão de que estou diante de um lugar que o sangue e os ossos valem mais que as rosas no meio do canteiro.

Sinto, e não estou sozinho nessa sensação, que estou completamente quebrado. Tenho algumas fraturas leves que tentam anular a beleza pedagógica da vida. É como se diante do mel, meu paladar tivesse acostumado com o sabor picante da severidade da agonia.

Forço o pulso para grifar os motivos pelos quais a alegria pode ser visível, mas escuto ao redor um cochicho alto falando merda. Vago pela mente, noto bem que os motivos são distintos e me pergunto que diabos essas perguntas fazem ali.

Questiono o que eu deveria pensar então já que todos dizem não ser assim tão ruim. Pergunto mas sem me preocupar em responder agora. Penso em sair correndo, mas descubro que mal consigo andar por essas linhas e me equilibrando na ponta do pé.

Sinto a sutileza do mundo sendo generosa sempre que algo ruim acontece. Aperto o passo em direção de sei lá qual destino. Num vacilo, escorrego num pedregulho da estrada e me esborracho nos motivos mais improváveis.

É verdade que assisti vir pra minha vida muita coisa incrível. Estou num lugar confortável e mesmo assim parece tudo irreal. Nunca me senti tão bem onde estou, mas sei que isso não é tudo.

Os pensamentos me contam que somados nenhum mal é pra sempre, que a felicidade é sim ter o suficiente. Prefiro apostar no na lucidez do tempo, olhar para o sol brilhando sem culpa e consultar a calmaria do horizonte sem fim.

Aqui, as paredes esmagam minha mente. Sinto a imaginação mais larga lá fora. Eu espero apenas não perder ela de vista. Eu tenho asas indirigíveis. Movimento-me rápido no mesmo tempo em que o relógio esconde-se de mim.

Molho minhas mãos como sementes que podem crescer e gerar frutos. Jogo água no rosto como se esse sono tivesse que passar. Rego minha mente com coisas saudáveis para que cresça e esconda as fissuras evidentes.

Amo tudo que parece bobo. Toco de ouvido a sinfonia da vida como músicas dedilhadas sem qualquer platéia. O silêncio anula-se dentro de mim. Isso que importa. Fico perto de mim, encolhido, cada vez que um som ameaça aproximar-se.

Salto bem alto mesmo sem que haja alguém para segurar a mão e caio no mesmo lugar de antes como se a altura fosse somente um passeio que tende a deixar a gente no mesmo lugar.

Guardo-me no cofre e coloco bem no meio da vitrine das inseguranças. Tenho a atenção que preciso, mas me coloco para fora da possibilidade de explorar o universo. A minha volta, quero apenas o que preciso. Volto a origem.

Incluo-me na companhia e no tempo de muita gente. Circulo alternativas que não me agradam. Vivo um tédio empolgante. Lembro de quando o dinheiro faltava e agora corro atrás dele como quem não entende o que mudou.

Olho a volta e me assusto com o quanto conquistei. Vejo meu circuito de pessoas morrer por não esconder aquilo que penso. No entanto, eu nunca brinquei com o que penso. Nunca me trai. Olho pra tudo e espero que tudo fique bem. Porque vai ficar.

Eu tenho asas indirigíveis. É assim que me sinto aqui.

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O melhor presente que seu irmão poderia te dar novamente

Guto, meu brother.

Na sala de espera, eu comentei com seu pai: “Estou ficando careca, cara”. Ele me retrucou: “Eu também, bicho” apontando para ao topo da cabeça sem notar que já não era mais questão de estar ficando. Era de já estar sem parte do cabelo.

Olhei em volta, vi seu avô, seu outro tio e seu pai reunidos ali e me senti um tio. Daqueles legítimos. Notei a barriguinha saliente, mas sem medo de tê-la. O vício em moletom e tênis de correr como única moda. Constatei as crescentes infames piadas aos domingos e surpreendi-me. Sou um tio.

Encuquei-me com o time que vai torcer, sem me preocupar se vai ser o mesmo que o meu, mas torcendo pra ser. Imaginei a cena te mostrando as músicas que valem a pena, os livros que vão te ajudar para sempre e listando os filmes que ajudaram a gente a ser um pouco melhor.

Você nasceu vizinho do carnaval. Não é a toa. Fizemos duas festas na mesma semana. Não teve absolutamente nenhuma felicidade mais empolgante nesses dias que ter a notícia de que você ia nascer hoje.

Quando a sua irmã nasceu, ano passado, escrevi um texto muito especial pra ela porque eu ainda morava em São Paulo. Por sorte, dessa vez, quando você chegou, eu estava de volta ao Paraná. Aprenda desde já: Os bastidores são igualmente importantes que o show.

Deixa eu te contar umas coisas. Provavelmente você vai ler isso só daqui uns anos, mas não quero deixar morrer essa experiência somente comigo. É importante a gente saber detalhes de onde nós viemos.

Quando você é tio, começa a pensar mais em que tipo de mundo está vindo aí, mas sem se importa com detalhes bobos. Você arranca um otimismo do bolso só para acreditar que o mundo vai ser melhor, mesmo que tudo indique que não, sabe que vai dar tudo certo no fim.

Muita gente diz que é um baita privilégio ser tio e concordo planamente. Podemos ter a licença de ficar apenas com a parte mais legal da coisa toda. Ser tio é pensar sempre como um pai, agir eventualmente como um irmão, mas sem a parte chata da responsabilidade total.

Só tem vantagens. É como uma cobertura do bolo de chocolate. É como ter sempre um sorvete disponível a hora que quiser, mas sem se preocupar se a mãe da gente vai deixar. É como poder comer a sobremesa a qualquer hora sem ter que comer verdura antes, sabe?

Quando eu fui visitar vocês no hospital, sua mãe perguntou se eu queria pegar você no colo. Confesso que eu não estava tão seguro sobre isso, mas mesmo assim, não queria perder a experiência de entender que você nem exige tanto assim de nós.

No fundo, ser tio é conviver com uma tentativa constante de aproximar-se o máximo possível da fragilidade de uma criança que a vida nos coloca na frente e amá-la.

Fiquei olhando seus olhinhos imaginando a vida que passaria diante deles. Notei que sua boca era grande o suficiente para alimentar-se de tudo que precisa. Como seus sonhos. Reparei que teu nariz é exatamente o mesmo do seu pai e da sua irmã. Marca registrada.

Quando eu te vi a primeira vez, comecei a imaginar novamente um amor possível, retomei a acreditar nos detalhes mais bobocas da vida e a sonhar com tudo que poderíamos viver juntos.

Não importa o quanto você seja mais novo, sempre será o guardião da sua irmã. Isso não quer dizer que ela é fraca, isso quer dizer que ela conta com você para tudo.

Fiquei imaginando sua voz dizendo “tio” com um olhar de curiosidade voluntária de criança e eu tendo que explicar algo sem subestimar a sua capacidade de ver o mundo. Você tem cara de gente inteligente.

Pensei no tanto de segredos que a gente vai preferir não contar para sua mãe, no tanto de roupa suja que vamos acumular e no tanto de vezes que vou reparar o quão rápido você cresceu bem diante dos meus olhos.

Sinto chegando em mim a sensação de todo dia fazer uma prece simples, pedir um bocadinho que seja, pra divindade te olhar. Ficar preocupado pra saber como estão as coisas com você, mas preferir não interferir porque tudo tem seu tempo de digestão. Mesmo assim, conta comigo tá?

Vejo-me desistindo das etiquetas sociais para te ver sorrindo um pouco. Estou disposto a utilizar das armas e armaduras do amor para te cercar. Pegarei-me no flagrante de não resistir ao dar um colo inquieto, a te esmagar num abraço de muitos segundos, a fingir que não me importo em gastar muito dinheiro em um mimo simples e passageiro.

Quero aproveitar os breves períodos que passarmos juntos, sabendo que terei sua companhia para transformar qualquer lugar num mundo a parte de imaginação.

Quero tentar adivinhar o que você está falando naquela idioma próprio que inventar quando começar a falar, quero sentir orgulho das pequenas conquistas que tem e garantir que o tempo inteiro pudemos viver tudo que tínhamos para viver juntos.

Prometo arranjar boas desculpas pra nos divertir com coisas de criança sem ser julgado, pra fazer uns programas legais sempre que der, pra montar cabanas no meio da sala e dizer o que eu acho melhor quando me pedir opinião.

Vou tentar elogiar todos os desenhos de cartões e garranchos que fizer em datas importantes, tentar te ensinar o que me for possível em tempo oportuno, te fazer rir das minhas vozes estranhas em dias ruins e ouvir você dizer coisas hilariantemente esquisitas e não te ridicularizar.

Hoje, você reinaugurou a minha vida. Cuide dos seus pais. Ame a si. Não ligue para o que o mundo diz. Seja foda em tudo que for fazer. Obrigado por, mesmo sem fazer ideia ou falar muita coisa ainda, me dar um sinal claro de que a vida ainda vale a pena. E muito.

Só quero fazer parte da sua história, meu amigo, e estar por perto quando ela não for tão gentil. Hoje, eu vou te amar com tudo que puder. Quando o tio tiver velho, apenas ame esse rabugento como quem entende que ele sempre vai estar do seu lado.
Você sempre será tudo que quiser ser. Então, seja. Te amo.

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Um texto para quem precisa dar um jeito na vida

Ouvi dizer que as feridas sempre cicatrizam. E o que fazer com o rasgo bem no meio da memória? Uma fissura inapagável. Uma marca incorrigível. Reluzentemente cintilante, insuportavelmente intransferível, martelando a mente a cada olhada vacilante.

O registro da dor é, na verdade, permanente. O que se vai é a agonia da dor. Numa carona sem rumo.

Uma lembrança viva que serve como um diploma autografado pela vida. Quase como se fosse para mante acessa a fagulha de um amor, de um lugar, de um momento, de uma pessoa. Sempre tem uma cama limpinha para hospedar uma nova dor passageira.

Gente como a gente — sim, porque se você está aqui tem sua cadeira cativa no mundo da melancolia — que vive não apenas à flor da pele, mas um ramalhete todo, não consegue escapar de todos os encontros inevitáveis com os vestígios que um sinal provoca.

Somos cheios de cicatrizes curadas apenas por um relapso de sanidade temporária, um momento rápido de lucidez, mas que numa hora ou outra, volta a mostrar as suas rigidez emocional. 

São marcas de um tempos que não temos mais, de amores que não aconteceram, de saudades extravagantemente esquisitas e que, por isso, colocamos nossos corações diante da distância inalcançável das nossas mentes.

Paira sobre a gente, então, um cansaço que antecede a busca por quietação. Sobra um pouco de descontração como pausa obrigatória. Uma folga imposta. Uma trégua forçada. Uma “desmorte”, assim, ortograficamente improvisada.

E mesmo que, no fundo, saibamos que não existe dor insuperável, apresenta-se a gente uma cisma com a possibilidade de seguir para o novo

A vida costuma ser cruel com quem sente tudo monumentalmente. Falta saldo disponível para saque para quem sente tudo para sempre.

No final, acaba como uma esperança. Uma solução precária para quem precisa de respostas urgentemente amenizadoras. Aprendemos a comunicar com a gente mesmo num dialeto escasso. 

Aos trancos e barrancos, vamos nos forçando a confiança de novas palavras, novos toques, novos olhares, novos amores, novas experiências para se arrebentar numa esquina que cruzamos sem ver direito.

Vamos ficando ranzinza com a vida. Não deixamos as pessoas saberem que são amadas. Recuamos diante do compromisso. Ignoramos a coragem. Cada insônia, um novo medo. Cada passo, uma nova paranoia. 

Encontramos palavras doces que chacoalham as nossas estruturas e não deixam a gente recuperar o que perdemos no passado. Suamos frio pelos poros da pele tensa. Sentimos o som do narrador da nossa vida rindo. Descontroladamente.

Queremos erguer uma paz dentro da gente, mas só de pensar na poeira que faz uma obra nova, tentamos nos convencer que não vale a pena faxinar a alma numa segunda-feira agitada. Bagunçar é bem menos trabalhoso. Todo mundo tem no coração aquela cadeira que amontoa a roupa suja.

Fingimos cinismo e andamos propositalmente desatentos. Os sinais da vida que lutem para fazer a um outro alguém entrar de fininho na vida da gente. Nunca iludido. Ou melhor, quase nunca. 

Esperamos o o dia em que essa pessoa vai inventar qualquer desculpa para não lidar com a veemência das nossas palavras e a força dos nossos abraços.

“Desculpa qualquer coisa” é o caralho. Volta aqui agora e acerta as merdas que você fez. Me lembro, de repente, que ninguém pode sair de um lugar sem que tenha realmente entrado. Meia dúzia de amassos no carro, alguns amigos e músicas em comum e um par de rodízios de Sushi não faz amores sedimentares. 

Todo passado é curado com um novo tempo. Este texto não é autobiográfico, é como aqueles dias que todo mundo tem que você usufrui da casa inteiramente disponível só para você. 

Vale aproveitar para tirar o lixo para fora ou amassar as caixas de pizza de ontem para caber mais, serve para recolher a pilha de roupas sujas ou apenas comprar mais com o cartão de crédito, serve para revisar seus hábitos tóxicos ou se entupir de qualquer porcaria comestível para afogar a ansiedade, você pode botar o aspirador de pó para funcionar ou ligar a tv num filme idiota do Adam Sandler e admirar a decisão boba acabou de tomar.

Dar um jeito na vida é frequente. É tarefa inacabada e recorrente. Estes parágrafos são apenas um “não pisa aí que não acabei de limpar, cara”.

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Um diagnóstico breve sobre sua vida e sobre o que acontece no mundo

Eu sei que você tá todo mundo cansado, mas não é de hoje que o mundo passa perrengue. É muita inocência da nossa parte acreditar que este recorte de momento que vivemos é o mais delicado da história. Esse anacronismo aparentemente inocente agiganta a noção individual de opressão.

De qualquer forma, basta olhar ao redor dos diversos mundos que frequentamos — seja ele o mais interno ou até mesmo o que expressa a realidade mais global — para entender que este não tem sido tempos tão fáceis para muita gente. O mundo é hediondo. Age de maneira bárbara com quem tem o luxo de ser nobre.

Sendo um observador mais cuidadoso, podemos notar de maneira nítida que tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo em que sentimos pessoalmente um tédio existencial absurdo.

Em todo canto tem gente agindo bruscamente, outras reagindo passivamente a tudo enquanto uma terceira parte, em menor quantidade, propõe realmente novas possibilidades de existir.

Nosso corpo emocional e nossos sentimentos estão devastadamente confusos em contrapartida a um mundo que tenta parir uma aparência fictícia de felicidade e satisfação. Os radicalismos mais sutis prosperam na mesma velocidade e proporção que o ódio gratuito.

Não damos conta de tudo que precisamos dar

Muita informação surge inesperadamente aos nossos olhos, nos obrigando a dar conta de tudo que acontece a volta com uma urgência impaciente. Paralelo a isso, pagamos caro por uma hora de papo sincero com nosso psicólogo. Adquirimos aplicativos que nos ajudem a meditar no quintal de casa não por luxo, mas por necessidade.

A gente não tá dando conta de tudo. Andamos perdidos nas relações mais simples que sejam, fundamentalmente naquela que temos conosco mesmo, deixamos-nos ser levados pela negligência da falta de tato com o outro e pela ignorância proposital no entendimento do outro. Somos reis sem um povo.

Não vivemos a vida que queríamos ter

Fazemos um esforço danado para criar uma ênfase no discurso de passar mais tempo com amigos e familiares, mas tropeçamos nos tapetes da própria realidade e nos sentimos culpados por não conseguir priorizar o mínimo.

Enchemos nossas timelines de fotos de momentos com amigos, mas constantemente temos a sensação de que não pertencemos mais a muitos grupos e lugares. Estamos rodeados e sentimos que não somos mais importantes para muita gente. Isso nos leva a visitar um lugar de desapontamento constante com o outro e consigo mesmo.

As famílias deixaram de ser um lugar de segurança constante. Fomos envenenados com a ideia de que estamos perto porque interagimos num grupo em comum no Whatsapp.

E por mais que sintamos falta da família sentimos que é cada vez mais difícil reuni-la. E quando conseguimos, logo sentimos a nossa energia esgotando-se rapidamente.

Experimentamos o gosto da dificuldade em definir o que sentimos.

Pensamos mais no dinheiro do que gostaríamos

Estamos presos a ideia de que ter acesso a tudo nos dá o transito num mundo do dinheiro e do sucesso. Damos uma enfase enorme para o que temos. E talvez este sentimento cause uma auto-estima frágil. Percebemos que podemos conquistar o mundo ao custo de perdemos a gente de si mesmo no meio disso tudo.

Ao mesmo tempo em que estamos cansados do sentimento de que sempre estar devendo algo a alguém, de ter que sempre lutar para quitar uma dívida longa, estamos comprando coisas que não precisamos. Gastamos com coisas que nos aliviam da ansiedade, mas pensamos melhor diante de pagar cinco reais a mais numa cerveja que seja melhor.

Perdemos a vontade de validar-se diante dos entes queridos, mas ainda ficamos preocupados com o que eles pensam sobre o nosso trabalho, sobre nossos relacionamentos, sobre como pensamos a vida.

Sentimos que não é justo olharem para a gente com esse olhar de infantilidade, mas acabamos nos vendo presos a uma situação que somos forçados a ser aquilo que já enjoamos ser.

Estamos diante da felicidade de maneira doente

A expectativa que temos para alcançar um constante estado de felicidade que não existe nos empurra para uma sensação de fracasso. Quando estamos chateados, pedem para gente sorrir. Quando estamos naquele dia normal de baixa de energia, dizem que não pode ficar ingrato frente a vida.

Há, de fato, muita pressão para se divertir o tempo todo. Um cultura que reforça uma realidade inconvencional da vida. Quando entramos nessa somos obrigados a fingir. E nada mais custoso do que simular sorrisos.

A vida não precisa ser um espírito de férias o tempo inteiro.

Correr atrás da felicidade enfarta a vida. É melhor que a felicidade não seja um alvo super-estimado. Estar feliz é recomendado apenas para aqueles que realmente entendem que ela se mistura a momentos impares mas que também pode ser encontrada no contentamento.

A procrastinação é um problema sério

Não é um pecado adiar situações, postergar algumas tarefas, protelar compromissos e atrasar possibilidades. Desde que não seja um mau hábito, prorrogar pode ser útil.

A grande questão é fazer com que isso não o coloque como oponente da sua saúde mental. Não tem problema não estar com vontade. É normal não ter disposição. Tudo que dá trabalho precisa sim de um planejamento, mas principalmente, de uma disciplina sistemática que torne aquilo importante.

No fundo, sabemos que quanto mais tempo se passa sem algo se realizar, mais essa coisa tem o poder de atuar na mente e tornar algo mais estressante.

Onde quer que você esteja, parece que tem algo sempre a ser feito.

O mundo é sempre inacabado, mas existem coisas que precisam ser terminadas. O lance é dividir as coisas em tarefas menores, mais executáveis e que sigam um ritmo suportável. Prioridade não tem plural.

Sua paciência é uma fonte facilmente esgotável

Todos os lugares estão lotados. As pessoas estão cada vez mais melindres. O filme que acabou de colocar já está chato. O motociclista mal aparece no retrovisor e já te irrita. Tudo tem fila enorme. Se tem que pegar senha você já prefere nem ir.

Tudo que parece que se tornou um grupo grande de pessoas te deixa trancado por dentro.

Parece que nem mesmo você se aguenta e tem que ficar longe de tudo e todos. Sua paciência agora te permite ter a permissão para tentar ser um pouco mais você mesmo. Você fica chateado porque perdeu as férias irritado com alguém, você não tem mais a mesma disposição para explicar tudo mil vezes, muito menos para orientar amigos que recusam-se a te ouvir.

A arvore de natal está cada dia menos enfeitada. Os aniversários cada vez mais simples. Ter que dar um beijo em cada um do recinto é um porre. Até que você decide ser mais paciente porque não quer que ver a tristeza de outras pessoas ou ser a razão que irrita as pessoas que ama. Então,você sofre sozinho por não conseguir.

Há sempre um lugar para repensar

Acredito que o mundo não vai moldar-se a gente. Ele vai engolir a gente aos poucos como um faminto ser que não tem dó de gente autossuficiente. O mundo não está nem ai para nossa vida. Então, ou aprendemos a ser um bom vizinho para com ele ou teremos sempre um resquício de sofrimento bem diante da gente.

Acho que quando somos viciados na nossa própria personalidade, acabamos sofrendo um cansaço esgotante, passamos a não dar conta de tudo que precisamos dar, não vivemos a vida que queremos, passamos a olhar para o acúmulo de recursos como salvador dessa teia de falta de sentido, buscamos uma felicidade incomum e adiamos aquilo que realmente importa.

Quando chegamos neste ponto, foi embora paciência, sumiu tudo que é relevante e sobrou apenas um corpo sem alma sobrevivendo as mínguas da falta de vivacidade.

É preciso repensar caminhos, reexaminar propostas, reconsiderar valores desimportantes e cuidadosamente, analisar discursos prontos, estudar comportamentos saudáveis e revisitar-se proporcionalmente. É obrigatório reformar-se, retificar-se e revisar-se com frequência.

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O que não te contam sobre viver de escrever

Escrever é uma atividade involuntariamente solitária. Sua pousada constante é o isolamento do seu auto exílio emocional regado por um deserto de pessoas.

Um soco na primeira linha e já uma lição, caro leitor: É justamente da insociabilidade que vivem os escritores, das verdades mais impopulares e da sua mais covarde coragem de olhar para si, para o outro e para o mundo sem a misericórdia da inexatidão.

Quem insiste em permanecer na convivência de um escritor, encontra nas bandas de cá, outros tantos escritores, igualmente lunáticos e viciados em suas próprias neuroses de caligrafia num abecedário tão incomum aos olhos comuns. Aqui, tem um mundo a parte.

A vida da escrita leva o autor a agarrar-se no delírio insuportável e insistente de compor frases cheias de palavras calculadas. Uma chave necessária para tentar esvaziar a sua maior fraqueza: O desperdício da sua vaidade incontrolável.

A natureza do escritor

Os escritores pertencem a uma restrita fauna ilusória. Estão cada vez mais extintos por uma crueldade imbatível: A dolorosa obrigação de manter longe do seu habitat criativo devido a sua falta de condições de sobrevivência. É como aquele animal que, sendo um carnívoro voraz, aprendeu a contentar-se com ervas doces do campo na sua dieta diária.

Vive uma corrida constante contra o drama do papel em branco, e toda vez que diante dele está, mendiga uma ideia simples que seja espremendo a consciência para produzir qualquer coisa razoável. O seu ringue principal é encher laudas como quem enche os pulmões depois de um mergulho profundo.

Para todos que vivem de redigir, não existe angustia maior que o resultado pífio das objetividades e dos clichês. Há muita indecisão em produzir discursos e ordenar informações, e por vezes, esbarram na visita indesejada de um bloqueio aparentemente intransponível.

Só um susto imprevisível na gestação inesperada de ideias é capaz de partejar uma esperança alfabética. Dos sutis socos nos teclados, uma ideia absurda força os dedos a debaterem-se numa vertiginosa marcha rumo a fuga estonteante de uma entrega ponderável.

A poesia, o conto, o romance, a crônicas tornam-se tiranas ainda no berço, como os garotos fazendo birras diante dos pais frouxos nos corredores dos mercados.

O público como obrigatoriedade criativa

Do outro lado dos escritores, agora, para as bandas de lá, existe o mais violento e faminto público. Para eles, o escritor é apenas o mais nobre preenchimento da sua incapacidade de expressar e dizer o que pensam.

O autor é, para seu público, a cápsula homeopática de coragem diária. Sem eles, seus olhos ficam fracos, seu corpo esgotado e seus músculos quebradiços. São eles que, com seus bocejos ou aplausos, nos amaldiçoam ou nos levam ao céu, nos adornam com elogios rasos ou nos esmagam entre os dedos brandos dos seu deslike.

É pensando neles, que o escravo das letras, amarrota suas bobagens e as empilham numa lixeira intolerante. É olhando para a plateia que hesitamos diante de fraseado agressivo, mudamos o sentido do verbo, escondemos a malícia proposital, fingimos o insulto inocente e buscamos proteger a intenção incolor por trás do que dizemos.

O inconfundível legado da obra

É porque somos escritores, que temos o cuidado de trabalhar com o frágil transpor de ideias. Basta uns parênteses com a má-criação de um menino de rua, umas aspas mais bem posicionadas que um infante atirador de elite, uma visita indelicada ao inseguro mundo da imaginação e cai por terra toda a diligente tentativa de credibilidade.

O que não te contam sobre viver de escrever é que todo o bem mora no vilarejo de uma folha em branco, mas é a mais valorosa e apócrifa das profissões. Ninguém fala que viver de escrita é sobreviver a cada dia.

O que sobra do autor são somente os seus mais distintos pensamentos que na sua imortalidade resistem ao tempo. A escrita traz imortalidade ou deixa a estupidez eternizada.

A escrita é a mais importante das armas de guerra. E o escritor é o soldado na linha de frente de todas as ideias do mundo. Ao mesmo tempo em que ajuda a vencer, está um pouquinho mais perto de morrer num acaso impensado.

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Pior do que aquilo que te mata é o que te faz querer morrer

Uma vida inteira não vivida é pior do que morrer. Esta sempre foi uma das coisas que o ser humano mais tem medo: Uma existência sem significado. A coisa se agravou mais ainda desde que ganhamos a nossa capacidade de pensar e organizar ideias.

Tomamos a consciência da nossa finitude e ganhamos o vício de pensar a que viemos neste mundo. A morte seria, portanto, um elemento didático, e por sua vez, teria o compromisso professoral de nos ensinar sobre viver.

Sim, o fim da vida fala mais sobre como manter-se vivo com qualidade do que a gente imagina. Para quem está vivo, a morte é apenas a lembrança constante da irreverente importância da vida.

Ao percebemos que não temos força contra o fim, passamos a construir questionamentos sobre a razão pela qual a vida tem que fazer algum sentido. É, a vida tem que obrigatoriamente fazer algum sentido.

Esta dimensão nos foi dada como um presente que não se recusa. Pensar sobre como estamos vivendo, nos dá uma vantagem sobre toda existência.

Pode ate parecer um pouco sombrio falar sobre o fim de tudo, mas, na realidade, ponderar sobre a vida é trazer uma pouco de sobriedade para nossa embriagada autopercepção existencial.

O dever de pensar sobre o que é o sentido da vida

Há uma certa elegância filosófica em interpelar a razão da vida, mas a verdade é que não há absolutamente nenhuma resposta totalmente assertiva e que compreenda todo o perímetro da vida de alguém.

Sendo assim, gosto de pensar, não em “um sentido para vida”, mas em sentidos. Sim, no plural. A ideia da vida como o cumprimento de uma missão é mais que romântica, é patética. Os significados da vida podem ser encontrados, inclusive, durante a sua recorrência progressiva.

Alguém pode simplesmente sentir-se totalmente realizado apenas com um desejo feito enquanto outro pode essencialmente ter as mesmas escolhas e não sentir-se satisfeito.

Os sentidos da vida são, portanto, não só plural, mas exclusivamente pessoais. Mais do que isso. Se o caro leitor me permite fincar exageros nestas linhas, os sentidos da vida são intransferíveis. Assim sendo, trazem consigo uma responsabilidade de ser encontrado apenas e tão somente por aquele indivíduo que os porta.

Posto tudo isso bem na sua frente, fica evidente que encontrar os sentidos da vida pode lhe causar uma sensação estranha e até mesmo inocente de que não enxergamos com clareza.

A explicação mais óbvia para isso é que nos acostumam a não ter coragem de partir rumo a nossa essência mais interna. Nos convencemos da enganosa superficialidade.

Estamos presos nas aparências, nas falsas ideias de si, e no desconhecimento das próprios motivações, nas invasivas percepções alheias e, por isso, trancados num desenho pré-moldado de respostas para a questão da razão pela qual estamos aqui. Desistimos das respostas antes mesmo de nos perguntar tudo.

Pensar sobre os sentidos da vida é começar a dizer a si mesmo, primeiramente, que isso tudo não é à toa, e depois, criar sistematicamente uma série de reações proporcionais as variações de senso de infelicidade.

Mas, veja bem, a tristeza é sim um elemento importante que vai nos ajudar a alinhar-se com o sentido a vida, mas a infelicidade estrutural te afastará mais ainda do motivo pra viver. Não há sentido sem dor. Simples: não há dor sem sentimento.

Os sentidos compartilhados da vida

Há muita gente reclamando da vida. E há muito do que reclamar. No entanto, quando vamos investigar a fundo o que parece ser o elemento que faz com que as pessoas andem na direção da lamúria, encontramos diversos pontos.

Precisamos nos sentir parte de algo. Por natureza, criaturas isoladas parecem ter uma predisposição maior à fraqueza. Vulnerabilidade é nosso medo.

O nosso leitor sensitivo de felicidade, especialmente na era em que vivemos, se localiza na mais abrangente experiência de compartilhar.

Isso fica evidente quando estamos vivenciando algo que podemos dividir com outro. Em alguns episódios da vida, é essencial estar conectado com pessoas, grupos, ideias e sentimentos. O discurso da autonomia individual – um mito idolatrado pela mente pós moderna - é a febre que aponta para uma sociedade tentando ter um sentido completo apenas a partir de si.

Um leitor mais atento me lembrará do mencionado caráter intransferível que pontuei acima. Pois é justamente o encontrar-se que está o encontrar também o outro.

O caráter compartilhado dos sentidos da vida não exclui a individualidade, mas sim, completam-se em forças. Um motorista não deixa de fazer uma viagem quando está sozinho, mas quando tem uma carona, ela se torna mais interessante. A metáfora conclui.

Os muros modernos contra uma vida com sentidos

O que te arranca o desejo pela vida talvez não seja apenas um sentimento ruim, um episódio infeliz da sua vida, ou uma inconclusão sobre trechos da vida. São umas séries de coisas.

Há muitas fortalezas de pensamento que se configuram em sistemas emocionais, psicológicos, sensoriais e internos que nos empurram excessivamente para um local que perdemos a conexão com a vivência integral e nos atrapalha a ver o impacto da nossa vida num mundo gigantesco.

A incapacidade de sentir-se útil diante do mundo pode ser facilmente neutralizada com um esforço realmente impulsivo de ajudar pessoas nas suas mais diversas tarefas. Isso não só pode nos ajudar na descoberta das nossas próprias vocações como pode nos reconecta aos nossos interesses mais genuínos pela vida. Ganhar a dimensão do serviço nos coloca diante da vida com um senso de finalidade.

Há também uma grande supervalorização das emoções e uma ênfase exagerada na abundância de sentimentos positivos. Costumeiramente, essa realidade é tipificada na busca incansável pelas figuras da tríade: influência (na imagem de poder), no dinheiro (na imagem de status) e no amor (na imagem do sexo).

Não despreze mais alguns detalhes importantes

Uma outra barreira é o constante medo de se aproximar dos outros que gera uma desvalorização nas relações e nos laços mais fundamentais.

Temos a sensação de que somos e estamos o tempo todo sozinhos no mundo e que não há realmente nenhuma realidade concreta sobre o conviver, aprofundar e entregar-se a um amor genuíno.

A falta de uma comunicação mais proveitosa em todos os sentidos gera uma quantidade enorme de desconfianças contínuas a respeito da vida, do outro, dos ambientes mais próximos e do mundo como uma grandiosidade.

A ausência de introspecção resulta na mentalidade de manada e na extinção da busca pelos próprios talentos autênticos. Pensamos ser imprestáveis.

Em um mundo que há preocupação exagerada com o dinheiro, ser útil quer dizer ser lucrativo, e isso, significa não ter tempo para educação emocional, para desenvolver habilidades sociais saudáveis frente às comunidades.

Nos tornamos um tipo mais honesto de sobreviventes de um desastre que nos tornou apenas uma vaga existência cumprindo as demandas urgentes da vida.

Para que possa reaproximar dos sentidos da vida, temos que aprender a honestamente avaliar cada ponto e criar um plano de contingência capaz de nos alavancar para fora do modelo convencional de vida medíocre.

Ou é isso ou aceitamos experimentar a tragédia da morte ainda vivos. E nada mudará nunca. O que te mata não é só um coração parado, mas um coração sem combustível.

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Mais importante do que a guerra, é quem está do seu lado na trincheira

Ás vezes, não se via um palmo adiante. Era neblina, juventude e silêncio. O rigoroso breu das quatro da manhã era cinematográfico. Subíamos - eu e meu irmão da mesma idade - a gélida e cumprida rua Lázaro Zamenhof que desembocava no pátio do Exército.

Acabávamos de completar dezoito anos de uma inexperiência flagrante. O cabelo andava sempre tão curto quanto o juízo juvenil. A barba tão aparada quanto a moral cívica dos conservadores. A roupa tão limpa quanto a consciência de um bebê. 

O que sobrava a mim e aos outros soldados, era apenas o companheirismo da convivência, a disciplina da amizade e o senso de colaboração mútua. Lá fiz bons amigos que carrego até hoje. O próprio sargento do batalhão— hoje tenente — ainda é frequentador das festas da minha família. Sim, também se faz amizades humanas nas fileiras do exército.

Há sempre um treinamento contínuo a seguir

Minha expectativa com a experiência militar era muito baixa, mas fui surpreendido, e hoje entendo que aquele foi um tempo não só de treinamento tático, estratégico e bélico, mas de aprender mais sobre como o outro é importante na nossa vida. O batalhão é uma família que obrigatoriamente aprende a gozar nas glórias e chorar junto com as tragédias. Punições e louros são coletivos.

Não fui a qualquer guerra nesta vida. E para falar a verdade, provavelmente nunca vou. Por isso, não tenho o direito de romantizá-la como alguns gostam de fazer. A guerra é o ser humano na sua essencial mais animal. Não há nada de bonito nela. O suposto charme visto nas guerras é apenas o filho bastardo do cinema, dos livros e da arte. Na vida real, é sangue, tragédia e lástima pra todo lado.

A vida não é uma guerra

Costumeiramente, insistimos em comparar a vida com uma guerra, mas é invariavelmente injusto, proporcionalmente desigual e propriamente inadequado.

Entendo os pormenores da comparação, mas faço essas notas garrafais: Há uma distância faraônica entre os dois. A começar que, na guerra, com uma combinação de milagre e sorte, ainda há algum chance de sair vivo. A vida sim é que é implacável com suas vítimas. A guerra e a vida se cruzam, mas não são a mesma coisa.

Não importa se viver é uma batalha fácil para alguns ou se é a pior coisa que alguém pode enfrentar, nada vai aliviar o peso de uma luta, nenhuma experiência vai ter misericórdia daqueles que optam pela autonomia, nenhum campo de batalha pode ser atravessado individualmente. 

Em uma guerra, a mentalidade de grupo é a força

Ninguém vence se não tiver acompanhado de um bom companheiro na trincheira. Só mantém-se vivo na linha de frente quem conta com a colaboração do companheiro, quem confia cegamente no apoio alheio e quem se propõe a sair vivo junto. O resto é bafo-de-boca.

Ouvi uma história de dois amigos de infância que serviram juntos na Segunda Guerra. Depois de um bombardeio surpresa, um deles acabou se perdendo do outro e ficou preso na zona de risco, enquanto o outro foi levado para um abrigo.

Quando acordoou, o soldado sobrevivente quis voltar para buscar o amigo. A esperança ainda existia na sua alma, mas teve a permissão negada pelo superior. Ignorando a proibição, ele saiu na busca. Uma hora mais tarde regressou mortalmente ferido, transportando o cadáver de seu amigo nos braços.

O oficial superior enfurecido disse em alto tom que sabia que seu amigo já estaria morto. O soldado, então, teve de explicar: “Quando encontrei o meu amigo, ele ainda estava vivo e pode me dizer:   Eu tinha certeza que você viria!”

A guerra não é lugar de gente sozinha. Na vida, você pode até lutar sozinho, mas não é a mesma coisa. Encontre seus companheiros de trincheira por que a luta da vida não vai parar tão cedo. Enfrente-a com gente ao seu lado.

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A vida é sobre planejar tudo, mediar o que der e controlar absolutamente nada

Sentei na mesa do Shopping na companhia do meu cappuccino. Ao lado, nitidamente abalados, dois jovens choram baixinho.

O rapaz disfarça o rosto vermelho esfregando os olhos com a mão. A garota controla o escorrer do nariz olhando imóvel para o celular ao mesmo tempo em que tenta se acalmar.

Ambos permanecem com aquela cara típica de frustração. Começo a chutar mentalmente que eles talvez estivessem passando por uma crise de relacionamento.

Por pura arrogância e um pouco rabugento, menosprezo a dor juvenil que sofrem. Imagino uma briga convencional e cotidiana de casal. Ela estava mal. Me dou conta que estou sendo babaca.

Resolvo não me intrometer — e quem me conhece sabe o esforço que é para mim não se importar — apenas continuo escutando. A garota lamenta: -“Mas, eu realmente amava ela, amor. E agora?”.

O garoto sem qualquer traquejo senta na ponta da cadeira e a abraça forte. Em silêncio absoluto, passa a mão na cabeça da moça como quem ajeita um lençol pela manhã.

-“Ela quem?”, me pergunto. A menina prossegue com a voz da derrocada: -“Eu sei que me assustei no começo, mas depois que vi nossa bebê no vídeo, eu me apaixonei por ela, eu sonhei com ela e ela não está mais aqui”.

A barragem dos olhos rompeu-se. A dela, do seu companheiro e as minhas. Talvez até as de Deus. Ela havia perdido um bebê. A notícia era recente. Meu corpo inteiro arrepiou. Duas crianças lamentando a morte da terceira.

No auge da minha sensibilidade, ela dá o golpe de misericórdia: -“Ainda não me recuperei, amor”. Abaixei minha cabeça e tive vontade de implorar a ela:  - “Não se recupere. Nunca, nunca mais se recupere. Apenas sofra menos, cada dia menos, até que tudo saia do primeiro plano. É o máximo que vai conseguir, querida”. 

Fiquei imóvel. Não tive coragem de fazer nada. Fiquei mudo. Não balbuciei uma só palavra. Assisti todo aquele sofrimento sem ter forças para conseguir engolir meu chocolate extra.

Apenas tive que lidar com um vislumbre emergente que me surgiu, a mais completa verdade gritando no meu coração: 

“A vida é sobre planejar tudo, mediar o que der e controlar absolutamente nada.”

Os planos da vida são só os planos da vida

Admiro demais quem tem esse papo de que a vida não é feita para ter planos. Mas, a verdade é que não ter planos é um risco eminente da inocência.

Existe uma linha muito particular e fina entre levar a vida com leveza sem fazer dos planos um sargento autoritário da sua vida, e carregar em si a atitude de não ter absolutamente nenhum plano para viver.

Não caio mais na ilusão de acreditar que um plano específico não pode mudar. A vida inteira muda para sempre.

Nossos planos são apenas pequenos esboços leves de um traço irrastreável de futuro. Na vida, vamos fazer muitos e muitos planos, mas quase todos podem e vão mudar de rumo.

É claro que qualquer decisão fica mais segura com um planejamento, mas são os estalos que mais cedo ou mais tarde acontecem, que nos empurram para o rumo da nossa história.

Nenhuma ideia pode ser boa o suficiente para funcionar sem um plano, quase nada bem feito nasce da mais absoluta espontaneidade. Não existem rumos sensatos que partem de nada.

Uma boa parcela da vida é feita de tentativas e erros, de fracassos e esgotamentos e mesmo que tenhamos o planejamento de abraçar todos que amamos, de realizar tudo que almejamos, de atingir todos os sonhos que temos no mundo, a vida implacavelmente não está nem aí.

Não é sempre que poderemos nos despedir com classe de todos que amamos, que teremos a oportunidade de pedir desculpas pelas nossas próprias imbecilidades, que poderemos resgatar o que ficou ferido para trás, que vamos dormir e simplesmente encontrar o amanhã. A vida não obedece planos.

Faça o que está no seu alcance agora

Faça tudo que é possível com o que tem. Este é o segredo para lidar com algo que saiu do controle.

Não adianta espernear, nem punir-se, nem buscar culpados, nem supor qualquer teoria maluca que possa tentar explicar, quando algo dá errado, é bom que procure apenas continuar na firmeza com que se possui. Se ela faltar, não se esconda.

A pior coisas que podemos fazer em momentos difíceis é fingir força. Ninguém deveria ignorar o que sente, mas todo mundo deveria preocupar-se em gerir emoções. Aqui está a grande sacada, a grande oportunidade de transformar momentos ruins em algo um pouco mais leve. 

Ninguém disse que a vida seria fácil. A gente apenas precisa ter em mente que é bom estar acompanhado de pensamentos bons, de gente que nos ajuda, de boas experiências, de momentos melhores. Foi Woody Allen quem disse: “A realidade é dura, mas ainda é o único lugar onde se pode comer um bom bife”.

Apenas aja. Apenas faça. Apenas não desista. Apenas não seja vítima da sua própria mentalidade tóxica. Apenas seja corajoso consigo mesmo. Apenas ajude-se. Apenas saia do lugar que acostumou a estar. Por você. Pelos outros. Pela vida em si.

É verdade que nem tudo tem solução. Algumas marcas serão pesadas. Alguns arranhões podem doer muito. Algumas feridas nunca mais saem. No entanto, apesar de tudo, acostume-se a gerir em favor de mediar o que der.

Perca a ilusão do controle

Não há contingências da vida que possam ser controladas. Mesmo os ambientes mais supervisionados. Até a prisão de segurança máxima tem fuga.

A morte é a mais clara e objetiva demonstração de que não temos controle sobre nada. O ser humano é o único que tem a arrogância de tentar coordenar a vida, mas não se dá conta que mal consegue controlar o músculo numa dor de barriga ferrenha. 

Perder o delírio da gerência total da vida é descer do salto e finalmente aprender que não vamos ser mais fortes que a vida, que não vamos conseguir regular os hormônios, que não vamos dar conta de monitorar nosso futuro, vigiar o que os outros pensam sobre a gente ou moderar a nossa felicidade o tempo inteiro.

Devemos sim levar os detalhes da vida a sério, aprender a não ignorar o previsível, a respeitar a antecipação, a valorizar a intuição, mas deveríamos jamais ceder a miopia do controle.

Nesse mundo em que os planos não garantem nada, onde as contingências nos empurram para as crises e a vigilância não traz segurança, temos que aprender a enxergar o que está gritante bem na nossa cara.

Aprenda sobre si, sobre o mundo e sobre os outros. O tempo inteiro. Reze sem ter religião, ame sem ter validade e agradeça sem ver uma única razão.

A vida não é o melhor lugar do mundo, mas é o único que temos. Planeje sempre, seja mediador quando precisar e não tente controlar a vida.

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Para quem não faz ideia do que está fazendo da sua própria vida

Seja lá o que você faça da vida, é hora de parar. Não para sempre. Apenas para refletir por um instante sobre o que você está fazendo com a sua própria vida.

Talvez você seja vendedor convencional, viva de pintar quadros, trabalhe educando crianças numa escola primária, lide com a complexidade do comércio exterior, tenha um restaurante gourmet, escreva dissertações acadêmicas, ou simplesmente tenha que lidar diariamente com clientes diversos e mercados comuns.

Em determinado momento da sua vida, você vai ouvir a pergunta: “Você faz isso por dinheiro ou porque gosta?”. Em qualquer canto da sua vida, essa pergunta vai aparecer. E você terá dificuldade de responder com toda certeza que está fazendo a melhor coisa que poderia fazer no mundo.

O ser humano é infinitamente capaz. E isso, nos confunde. Somos lições diárias, habilidades acumuladas e competências diversificadas. Talvez o erro seja esperamos sempre que alguém ou alguma coisa nos diga exatamente o caminho que devemos percorrer. Buscamos que isso tudo nos dê a certeza que podemos seguramente seguir nesta direção de conforto e alívio.

No entanto, essa certeza é inviável. É de uma inexatidão assustadora. O modo de olharmos para aquilo que fazemos - como se isso fosse a nossa única identidade - tornará, no futuro, o nosso maior carrasco.

Todo mundo tem dentro da sua cabeça um discurso que deflagra uma desconfiança da sua própria vocação diária. A verdade é que somos diversos recortes de nós mesmos, do que fazemos, do que pensamos, de como enxergamos a nossa própria construção de realidade.

E quer saber? Ninguém aguenta permanecer muito tempo num posto que seja mais um lugar-comum, que seja a mais precisa falta da dimensão de propósito e de realidade.

Quando nossa identidade torna-se apenas aquilo que fazemos, descobrimos que, momentaneamente, na falta de tarefas, somos empurrados para a mais concreta impressão de inadequação e senso de si. Este é o ponto de muita gente que encontro nessa caminhada vocacional.

Não interessa o que você quer, pode ou deve fazer da sua vida. O mais importante é ter a coragem de perguntar-se, antes de tudo: O que estamos omitindo da nossa própria verdade? O que é importante para que eu possa ter a certeza que estou fazendo algo extremamente relevante?

Perceba: Atingir um patamar profissional invejável, ter uma grande quantidade de seguidores, ser capaz de falar com muita gente ao mesmo tempo, nem sempre significa alcançar a maior dimensão da realidade do que realmente importa para nós.

O sujeito que tem a coragem de omitir essas perguntas acima perde a oportunidade de dedicar-se de todo o coração a alguma coisa real. Sem que faça da necessidade econômica seu maior alvo. No final das contas, ele não tem nem o prazer e nem a riqueza. E o único prejuízo essencial é ter tudo, menos o controle da própria narrativa.

(Tá gostando do artigo? Aprenda agora como escrever textos engajadores)

Nesta direção, o sentido para o que fazemos não está em apenas contabilizar vitórias e as esfregar no rosto da sociedade como uma espécie de alto consolação, nem tampouco em deixar de fora da vida o prazer para ir em busca de uma vocação prática e despreocupada com os pequenos confortos.

O mundo não pode ser dividido em pessoas que vivem na esperança de enriquecer como resposta a sua impossibilidade de alcançar uma auto percepção saudável e em sujeitos que estejam integralmente inseridos numa sociedade injusta, mas que encontram na crítica do imediatismo materialista a própria desorientação vocacional.

Ninguém por mais bem-sucedido ou fracassado que seja quer assistir o assassinato brutal do seu próprio sentido da vida.

Desde que entendi que a realização da minha vocação - que é claramente sabida como de um escritor - não deve se prender a mera busca pelo emprego ideal, ou apenas focado numa subsistência e desprovido de qualquer importância própria, passei a respeitar o meu próprio futuro como gente.

Descobri aos 28 anos - o que considero pode parecer tarde demais - que entre o trabalho expressamente inevitável e a obsessão pela diversão, existe um encontro possível.

Talvez  seja essa a única explicação de como podemos cruzar com gente de pouco retorno financeiro, mas que são brilhantemente satisfeitas com o que tem, ao passo que encontramos almas cheias de revolta que cegamente acusam o trabalho de ser o ladrão de vida e o algoz da sorte.

Para quem não faz ideia do que está fazendo da sua própria vida, o caminho errado não deveria ser objeto do seu estudo, mas sim a busca incessante pelas maneiras de desenvolver o alívio mais óbvio.

A tragédia vocacional tem o tamanho exato entre a dor inevitavelmente saudável do ofício e o prazer ficcional das nossas próprias expectativas.

O fazemos da nossa vida pode ser uma explosiva acumulação de paixões, mas pode ser também a nossa demagogia predileta. Eu decidi mudar a tônica minha vida. Aprendi que posso viver sendo quem eu preciso ser.

Para quem ainda insiste em ficar nessa corrida incessante da vida moderna, a minha esperança é um dia vê-lo do lado de cá e te ver desfrutando de uma vida com mais sentido.

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O que ninguém te fala sobre migrar para a vida adulta

Todo mundo sabe da minha clássica birra com a juventude moderna. Estar perto dos trinta parece não me autorizar a ensaiar uma pirraça, mas a cisma é um esporte antigo.

Tenho convivido mais tempo com pessoas mais jovens que eu e algumas delas acabaram de começar nesta empreitada eterna de uma sucessão interminável de boletos chamada de vida adulta.

O diagnóstico é claro: Estamos perdidos.

A ironia de todo esse episódio é que virar gente grande não parece tão fácil para uma geração que é considerada a mais preparada de todas, ou seja,ao mesmo tempo, em que possuem currículos invejáveis e experiências quilométricas são também descaradamente os mais despreparados para a vida nua e crua.

São meninos e meninas cheios de habilidades mas que não foram treinados para errar. São cachorrinhos com inesgotáveis truques bem ensaiados, mas que não param de chorar porque sempre querem passear na coleira.

São famintos por quaisquer tecnologias e elas lhes são familiares, mas não lidam bem com os danos que elas criam. Gostam dos louros e reconhecimentos mas ignoram o esforço até lá como um desprezo proposital.

Colecionam selfies nas mais belas paisagens e gabando-se de conhecer diversos lugares no mundo todo, mas não visitam um centímetro da sua própria realidade interna. As suas viagens são todas exteriores, mas nunca para dentro. Alguns até meditam, fazem yoga, são naturalistas, mas no que se trata de decisões emocionais na vida, são mestres na procrastinação relapsa.

O sofrimento parece tomar conta de uma parcela consideravelmente real nos seus cotidianos. Foram ensinados que a felicidade estava iminente, mas o “logo ali” nunca chega. Esconderam deles que teriam que criar-se diante da dor. Até o mertiolate é Nutella.

A coisa piora no caso da classe média e da alta. Acostumados com a mãe passeando na diretoria dos bons colégios particulares, aprenderam o verbo To Be antes mesmo de decorar Bhaskara, tiveram a chance de ver a Monalisa de perto e ao vivo ainda aos 20 e poucos, mas não aprenderam a ter conversas sérias a não ser via mensagem de texto e preferem relacionar-se com o outro virtualmente. Até o tradicional “te pego na saída” é raro de ouvir.

Um segundo exame se faz necessário

A culpa não é deles, muito menos dos seus pais. A geração que teve muito mais oportunidades que a genealogia inteira, criou-se com a sensação de que a vida é uma linha reta e crescente, por isso, eles se sentem gênios não compreendidos que o mundo ainda não descobriu.

Nas suas profissões, acreditam que não podem encontrar seus sonhos trabalhando para qualquer pessoa. Olham sempre para uma maneira de não depender de instituições, de não ter que aguentar aquilo que julgam não merecer, de lutar pelo que querem — ainda que na maioria das vezes não saibam o que seja.

Acreditam que passar perrengue é trair sua vocação. Ficam perdidos, empacados e estacionados em sua própria falta de humildade. Eles têm dificuldade de lidar com a velocidade das coisas. Sofrem as mais terríveis ansiedades.

Negociam com tudo e todos, mas não dão conta de lidar com os degraus da vida sendo subidos um a um. Demitem-se por qualquer razão, rompem relacionamentos por comodidade, arriscam tudo sem responsabilidade. Colocam-se sempre em primeiro plano crentes que um mundo ideal está para chegar.

Como todo estreante, eles tentam forçar as regras, ganhar debates na histeria, conquistar tudo no grito, a fazer-se ouvido nos empurrões nada éticos. Vivem como se alguém estivesse lhes devendo a felicidade tão sonhada.

A crise da autoridade e de si mesmo

Nesta onda, os pais acabam negligenciando a postura de autoridade dentro de casa realizando manobras para poupá-los das angústias e para garantir conforto que eles próprios não tiveram, os professores têm perdido sua voz e mal conseguem realizar seu papel de educador, os patrões têm perdido o cabelo apavorados com uma geração que reage a tudo de maneira imprevisível.

Estamos diante do mundo lotado de direitos sem que haja responsabilização, maturidade e reciprocidade.

Os jovens vivem temendo o fracasso pessoal, sendo perseguido pela ideia contínua de que o futuro deve estar garantido sob qualquer circunstância. Acontece que demoram para entender que a vida não é a historieta que os seus pais contaram.

Foram treinados para ser uma máquina de habilidades como ferramentas completas, mas ninguém falou que teriam que estar preparados para enfrentar a dor e a decepção. A todos, cabe fingir felicidade. E calado para não ser ridículo.

A pílula de realidade

Precisamos entender que melhor do que ter um bom emprego, ter uma condição razoável, falar inglês fluente ou até mesmo ter qualquer produto da Apple, é aprendermos que vão ter horas que precisaremos nos virar sozinhos.

É como se a vida dissesse em alto e bom-tom: “Daqui para frente, bicho, é com você”. E ao invés de nos recolhermos ao desespero, pudéssemos responder: “Sabe, eu estou com medo disso, tenho essas dúvidas aqui, me sinto confuso quanto a isso e não faço a menor ideia de onde isso vai me levar, mas vou tentar descobrir.”

A vida adulta é partir de um ponto em que você terá que conquistar um cantinho nela mesmo que não haja qualquer garantia de sucesso e ter a coragem de escolher ir a luta mesmo assim.

É saber que nada vai sair como planejado, que nada é tão completo como parece, que nenhuma pessoa pode nos garantir a vida de sucesso e nenhuma coisa no mundo vai nos completar por inteiro, e saber que já que estamos aqui, e essa vida é única, curta e intransferível, é melhor não ficar choramingando por aí, porque o último minuto de vida pode ser agora.

O que ninguém te fala sobre ser jovem é que você vai se dar muito mal na vida, mas não tem nada de errado com isso. Apenas siga até que tudo fique bem.

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