A vida é sobre planejar tudo, mediar o que der e controlar absolutamente nada

Sentei na mesa do Shopping na companhia do meu cappuccino. Ao lado, nitidamente abalados, dois jovens choram baixinho.

O rapaz disfarça o rosto vermelho esfregando os olhos com a mão. A garota controla o escorrer do nariz olhando imóvel para o celular ao mesmo tempo em que tenta se acalmar.

Ambos permanecem com aquela cara típica de frustração. Começo a chutar mentalmente que eles talvez estivessem passando por uma crise de relacionamento.

Por pura arrogância e um pouco rabugento, menosprezo a dor juvenil que sofrem. Imagino uma briga convencional e cotidiana de casal. Ela estava mal. Me dou conta que estou sendo babaca.

Resolvo não me intrometer — e quem me conhece sabe o esforço que é para mim não se importar — apenas continuo escutando. A garota lamenta: -“Mas, eu realmente amava ela, amor. E agora?”.

O garoto sem qualquer traquejo senta na ponta da cadeira e a abraça forte. Em silêncio absoluto, passa a mão na cabeça da moça como quem ajeita um lençol pela manhã.

-“Ela quem?”, me pergunto. A menina prossegue com a voz da derrocada: -“Eu sei que me assustei no começo, mas depois que vi nossa bebê no vídeo, eu me apaixonei por ela, eu sonhei com ela e ela não está mais aqui”.

A barragem dos olhos rompeu-se. A dela, do seu companheiro e as minhas. Talvez até as de Deus. Ela havia perdido um bebê. A notícia era recente. Meu corpo inteiro arrepiou. Duas crianças lamentando a morte da terceira.

No auge da minha sensibilidade, ela dá o golpe de misericórdia: -“Ainda não me recuperei, amor”. Abaixei minha cabeça e tive vontade de implorar a ela:  - “Não se recupere. Nunca, nunca mais se recupere. Apenas sofra menos, cada dia menos, até que tudo saia do primeiro plano. É o máximo que vai conseguir, querida”. 

Fiquei imóvel. Não tive coragem de fazer nada. Fiquei mudo. Não balbuciei uma só palavra. Assisti todo aquele sofrimento sem ter forças para conseguir engolir meu chocolate extra.

Apenas tive que lidar com um vislumbre emergente que me surgiu, a mais completa verdade gritando no meu coração: 

“A vida é sobre planejar tudo, mediar o que der e controlar absolutamente nada.”

Os planos da vida são só os planos da vida

Admiro demais quem tem esse papo de que a vida não é feita para ter planos. Mas, a verdade é que não ter planos é um risco eminente da inocência.

Existe uma linha muito particular e fina entre levar a vida com leveza sem fazer dos planos um sargento autoritário da sua vida, e carregar em si a atitude de não ter absolutamente nenhum plano para viver.

Não caio mais na ilusão de acreditar que um plano específico não pode mudar. A vida inteira muda para sempre.

Nossos planos são apenas pequenos esboços leves de um traço irrastreável de futuro. Na vida, vamos fazer muitos e muitos planos, mas quase todos podem e vão mudar de rumo.

É claro que qualquer decisão fica mais segura com um planejamento, mas são os estalos que mais cedo ou mais tarde acontecem, que nos empurram para o rumo da nossa história.

Nenhuma ideia pode ser boa o suficiente para funcionar sem um plano, quase nada bem feito nasce da mais absoluta espontaneidade. Não existem rumos sensatos que partem de nada.

Uma boa parcela da vida é feita de tentativas e erros, de fracassos e esgotamentos e mesmo que tenhamos o planejamento de abraçar todos que amamos, de realizar tudo que almejamos, de atingir todos os sonhos que temos no mundo, a vida implacavelmente não está nem aí.

Não é sempre que poderemos nos despedir com classe de todos que amamos, que teremos a oportunidade de pedir desculpas pelas nossas próprias imbecilidades, que poderemos resgatar o que ficou ferido para trás, que vamos dormir e simplesmente encontrar o amanhã. A vida não obedece planos.

Faça o que está no seu alcance agora

Faça tudo que é possível com o que tem. Este é o segredo para lidar com algo que saiu do controle.

Não adianta espernear, nem punir-se, nem buscar culpados, nem supor qualquer teoria maluca que possa tentar explicar, quando algo dá errado, é bom que procure apenas continuar na firmeza com que se possui. Se ela faltar, não se esconda.

A pior coisas que podemos fazer em momentos difíceis é fingir força. Ninguém deveria ignorar o que sente, mas todo mundo deveria preocupar-se em gerir emoções. Aqui está a grande sacada, a grande oportunidade de transformar momentos ruins em algo um pouco mais leve. 

Ninguém disse que a vida seria fácil. A gente apenas precisa ter em mente que é bom estar acompanhado de pensamentos bons, de gente que nos ajuda, de boas experiências, de momentos melhores. Foi Woody Allen quem disse: “A realidade é dura, mas ainda é o único lugar onde se pode comer um bom bife”.

Apenas aja. Apenas faça. Apenas não desista. Apenas não seja vítima da sua própria mentalidade tóxica. Apenas seja corajoso consigo mesmo. Apenas ajude-se. Apenas saia do lugar que acostumou a estar. Por você. Pelos outros. Pela vida em si.

É verdade que nem tudo tem solução. Algumas marcas serão pesadas. Alguns arranhões podem doer muito. Algumas feridas nunca mais saem. No entanto, apesar de tudo, acostume-se a gerir em favor de mediar o que der.

Perca a ilusão do controle

Não há contingências da vida que possam ser controladas. Mesmo os ambientes mais supervisionados. Até a prisão de segurança máxima tem fuga.

A morte é a mais clara e objetiva demonstração de que não temos controle sobre nada. O ser humano é o único que tem a arrogância de tentar coordenar a vida, mas não se dá conta que mal consegue controlar o músculo numa dor de barriga ferrenha. 

Perder o delírio da gerência total da vida é descer do salto e finalmente aprender que não vamos ser mais fortes que a vida, que não vamos conseguir regular os hormônios, que não vamos dar conta de monitorar nosso futuro, vigiar o que os outros pensam sobre a gente ou moderar a nossa felicidade o tempo inteiro.

Devemos sim levar os detalhes da vida a sério, aprender a não ignorar o previsível, a respeitar a antecipação, a valorizar a intuição, mas deveríamos jamais ceder a miopia do controle.

Nesse mundo em que os planos não garantem nada, onde as contingências nos empurram para as crises e a vigilância não traz segurança, temos que aprender a enxergar o que está gritante bem na nossa cara.

Aprenda sobre si, sobre o mundo e sobre os outros. O tempo inteiro. Reze sem ter religião, ame sem ter validade e agradeça sem ver uma única razão.

A vida não é o melhor lugar do mundo, mas é o único que temos. Planeje sempre, seja mediador quando precisar e não tente controlar a vida.

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