Só por algumas vezes, precisamos nos ausentar um pouco dos nossos pensamentos mais frequentes. Não digo fugir, mas tomar aquela distância proposital. Achar um jeito viável de partir pra longe sem avisá-los. E voltar quando der.
No ambiente que mora nossas ideias não tem uma sacada grande para escorar uma cadeira, abrir a janela por inteiro e ficar tomando um ar sem pretensão alguma. Está sempre lotado, precisando de limpeza e apertado.
Talvez eu esteja errado a respeito da vida, mas talvez essa coisa toda de viver seja apenas um jogo no qual eu ainda não comecei a jogar. Parece-me bastante exaustivo estar sempre lutando contra algo, mas por todos os lados, vemos gente em conflito. Agem como um cão de guarda na porta de um cofre frágil.
E nessa batalha inglória por parecer mais nobre, mais inteligente, mais valoroso, mais influente, a gente acostuma a importar-se apenas em como nessa imagem deveria ser para os outros.
A verdade é que nunca seremos capazes de transmitir nada aos outros além do que as outras pessoas querem ver a nosso respeito.
Ninguém nunca vai nos conhecer de verdade. Não na nossa totalidade. E a razão mais óbvia e simples é que estão ocupadas demais sendo aquilo que projetaram sobre si. Sem renegociações. Sem abrir exceções. Sem o direito de repensar-se.
Aqueles que têm a melhor chance de nos conhecer, e que poderiam tentar nos entender, limitam-se a ouvir seus egoísmos e preconceitos, estão preocupados convivendo apenas com suas próprias ideias. Tomando um chá de comadre com suas certezas solúveis.
Algumas pessoas não suportam e se vão. Quando a gente começa a ser a gente mesmo, uma quantidade enorme de pessoas passam a nos conhecer verdadeiramente. E temem. Morrem de medo de não sermos o que elas acreditavam que fôssemos. Escondem-se no porão da sua arrogância.
Deixamos elas irem. Nós mesmo perdemos o contato de pessoas por preguiça, por descuido, por escolha ou por falta de paciência com coisas pequenas. E ganhamos uma dúvida monumental sobre como foi que estivemos ali antes. Quase nunca sabemos responder.
Eu escrevo porque, às vezes, quero apenas ir embora de mim. Esta é a melhor maneira que encontrei de saber como eu mesmo sou.
Talvez seja por isso que escrevo tanto — eu provavelmente faço muita coisa até mais do que eu mesmo imagino — para me descobrir aos poucos, mas sem a pretensão de controlar a percepção que as pessoas têm de mim. Eu tento.
Não me importo em expôr as dores mais singelas que me invadem, mas também em dizer categoricamente as pequenas bençãos do dia-dia. Escrever é vomitar para curar. É ser capaz de espelhar-se para si.
Tudo que faço é tentar fazer dessa merda toda de alinhar palavras e reunir parágrafos um reflexo de quem eu sou. Na maioria das vezes, eu consigo chegar perto. Quando estou longe demais, eu volto.