Juro que se ela abrisse aquele sorriso todo dia, eu me perderia na vida. Talvez seja por isso que o universo não deu o direito de vê-la todo dia. Eu estaria perdido se tivesse o direito bobo de recorrer a aquela vista sempre que quisesse.
Esqueceria as minhas demandas mais corriqueiras, ignoraria as pequenas dificuldades que a vida traz e congelaria, por tempo indeterminado, diante de tudo. Passaria o dia ali, decorando aquela janela de dentes e olhares.
O mais louco é que não sei muito sobre ela. Ou melhor, quase nada. Ela abre o portão, mas é você que tem que entrar. Conheço seu nome e alguns detalhes que escapuliram dela mesmo. Foi o suficiente para me sequestrar.
Adoro o jeito dela que nos levou do “seja bem vindo” para o “quero te ver mais” em um pequeno hiato de horas. Ela é tão profundamente direta. Ela é indiscretamente ela. Ela é assustadoramente igual a mim.
Na primeira vez que a vi, eu estava sem óculos e o meu pescoço teimava em guiar-me na direção dela. Nossos olhos combinaram trocar correspondências. Vê-la aqui, diante de mim, me fez sentir-me confortável. É uma obra das coincidências propositais. Olhar para ela é como assistir um retrato conhecido mesmo sem ter estado naquela cena.
Na minha frente, ela me olhava com cara de quem estava chocada com a afinidade instantânea. Aquela pequena fagulha de alegria esquecida no canto da boca denunciava a impulsividade flagrante. Nos vi num proposital abandono de quem parecia se conhecer por muito tempo.
Esqueci por um tempo de mim e abri os olhos para entender que o principal dela são os detalhes. E eu gostei tanto dos detalhes. Logo eu, o rei das minúcias com uma obra de arte daquela na minha frente. É como trombar com uma raridade.
Tive que notar o olhar conversador, automaticamente provocador, instintivamente genuíno. A boca tinha um desenho cuidadoso. E o rosto milimetricamente simétrico às medidas de uma cortesia. Na esquina da boca morava uma covinha bem localizada. E no fim do queixo, um donaire. Sua beleza é uma gentileza. Um elogio a quaisquer olhos desavisados.
Todas essas particularidades patrocinadas por um coração ansiosamente acelerado. Como a vida é, como ela precisou ser. Inúmeras palavras disparadas na boca anunciavam uma vontade imensa de viver tudo o mais rápido possível. Ela é inevitavelmente igual a mim.
Corríamos atrás do fôlego e eu já tinha assumido que o perdera. De propósito, ela queria aproveitar tudo de uma vez só e eu apreciando cada segundo. E sem intenção, sem qualquer dolo, me fazia ir junto com ela por horas a fio, sem olhar sequer para o relógio uma única vez. O tempo desativou-se.
Por vezes, ela me fez respirar aliviado. Acreditar que existem pessoas que ainda nos entendem, que ainda fazem todas as nossas nóias particulares parecerem não tão esquisitas. Cada vez ela ia me sequestrando involuntariamente.
Via-me desejando vê-la mexer no cabelo daquela forma sempre que pudesse, sem me dar conta que não interessa o que está diante da gente, importante mesmo é estar com pessoas que sabemos que poderemos contar. Ela ressuscita pequenas alegrias em mim.
Ela é uma bandeira à liberdade. Melhor, ela é a própria liberdade. Mesmo deixando claro que adora uma boa companhia. Ela gosta de respirar aliviada. No entanto, se ela quiser ficar, ninguém a segura. Ela é só dela. É por isso que poucas pessoas conhecem bem o amor que existe ali dentro, e quem o tem, é realmente um sortudo.
Ela é daquelas que, se você der a chance de entrar na sua vida, ela vai ser tão necessária quanto qualquer função vital. Não alimenta rotinas calculadas, não se importam com rituais sociais. Não vive junto da monotonia. Ela te arranca do chão com raízes e tudo.
Destemida e de coração mole. Firme, mas que não corre atrás. Um pouco de impulso, um pouco de medo. Deixa de lado o que não se importa, traz pra perto o que realmente vale a pena. Ela tem um amor escondido que dá apenas para alguns.
Adora o mundo da lua, mas não sonha acordada. Abraça tudo, mas não todas as pessoas. Desejos infinitos, mas armaduras sempre a postos. Não se importa com status, mas com a vida acontecendo. Ela sabe onde quer estar, mas não mora em lugares que não é convidada.
Hoje ela ama muito, amanhã, não quer mais. Mas, jamais vive de aparências para agradar. Afoga-se na mesmice, e respira fundo diante da mudança radical. Gosta da fama de durona, mas de perto, é uma menina com lacinho na cabeça na bicicleta de rodinhas.
Ela não tem medo de ir, sempre se reinventa, segue com força no que acredita, ame profundamente, mesmo não parecendo. Fala sem parar, mas quando para de falar, é porque está chateada. Paz e confusão na mesma proporção.
Eu não faço ideia de onde isso vai parar. Ainda tenho muito que perceber. Mas quer saber, eu não estou nem aí. Para mim, ela já é uma das melhores histórias que pretendo continuar vivendo.
Chama todo mundo de amor, mas só ela é um arraso.
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