Ser jornalista me faz ficar preocupado com a ideia atual de que não existe mais verdade e mentira. Tentar relativizar ou moldar — para não dizer distorcer — conceitos à uma realidade pessoal parece algo bem perigoso.
Decidimos, sem pensar nas consequências disso, assumir que a verdade é tudo que está a nosso favor. E, aquilo que não nos apoia deverá ser rotulado como mentira. O truque é antigo, mas hoje fica evidente.
Quanto os fatos ocorridos em si, que são quem realmente merece atenção, eles pouco importam. Se algo está em lado oposto àquilo que pensamos, vemos abundar os eufemismos. Agora, se caso algo faça-nos sentir ameaçados, expostos ou desconfortáveis, a gente abandona os acontecimentos concretos e passa a adaptá-los.
A razão deste texto é entender que o problema não são mentiras que circulam.Somos nós. Um estudo diz que A desonestidade é inerente a nossa realidade humana e transpassa por todas as esferas da nossa vida. Até aí, não há muita novidade, mas e quando isso torna-se insuportável por ter permeado todas as esferas da vida? Estamos definitivamente na era da pós-verdade.
Pós-verdade quer dizer o que?
Ralph Keynes em seu livro A Era da Pós-Verdade: Desonestidade e Decepção na Vida Contemporânea (2004) traz o conceito daquilo que ele chamou de pós-verdade.
Este termo foi também eleito pelo Oxford Dictionaries como a palavra do ano em 2016. E o site oficial pontuou que, no caso do termo em inglês, post-truth, a palavra “post” não está ligado a um tempo posterior de um acontecimento, como quando alguém diz pós-guerra, mas sim tem a conotação de superação, como se aquilo já não tivesse muita importância.
Segundo o editor do dicionário, a pós-verdade foi usada pela primeira vez nesse sentido em 1992, em um dos ensaios do sérvio-americano Steve Tesich na revista The Nation. O contexto era que ele estava refletindo sobre o escândalo contra o Irã a Guerra do Golfo. No texto, Tesich relatou que “nós, como pessoas livres, decidimos livremente que queremos viver em algum mundo pós-verdade”.
Mas o que nós temos a ver com isso?
Por mais que o termo tenha sido usado mais recentemente no âmbito político, hoje é totalmente visível que não estamos mais atentos ao que, de fato aconteceu. Assumimos discursos sem se importar com aquilo que está por trás, sem ter condições de checar muitas vezes, sem a preocupação de certificar-se que a verdade assumida é o mais próximo da realidade.
E isso não é exclusividade da imprensa, este é o nosso dia-dia. Estamos sempre compartilhando mensagens caluniosas sobre os políticos que não somos simpáticos, modificando discursos de pessoas que não aprovamos determinados comportamentos, substituindo significados para responder as nossas demandas ideológicas, ocultando elementos de uma história para vender outras. Somos parte da gênese deste monstro que criticamos.
A grande discussão sobre as Fake News e como elas impactam a política é a maior prova de como esse conceito afeta a realidade a nossa volta. Além disso, há uma tentativa enorme de mudar a linguagem e os significados dos seus verbetes apenas para servir realidades ideológicas, existe uma grande tentativa de trazer significâncias modificadas a terminologias que antes era bem consolidadas.
O resultado dessa mudança no discurso lotado de pós-verdades é que passamos a adotar um perigo eminente de justificar qualquer horror em nome do relativismo. Os flagrantes já não provam mais nada, todo fato concreto precisará driblar as versões alternativas para se sustentar, ainda que ele seja comprovado.
As redes sociais ampliaram ainda mais essa discussão. Qualquer figura pública pode hoje fornecer opiniões em praticamente tudo sem que haja investigação. Sem contar que qualquer pessoa hoje pode se tornar um emissor de opinião sem que haja responsabilidade. Os algoritmos também não contribuem fortalecendo uma burrice monocultural que transforma o mundo em um grande condomínio fechado e agrava mais ainda os radicalismo.
Para fechar, em uma cultura de culto à personalidade, a identidade ultrapassa os argumentos. Sem contar a crescente perda de interesse nas evidências. Estamos mais abertos a receber aquilo que nos ajuda a propagar nossas ideias, e totalmente agressivos com o oposto. O resultado disso tudo é uma sociedade radical, que emite mentiras sem medo do que podem estar fazendo, que vivem cada vez mais em guetos mentais e que perderam de vista totalmente a noção de confiança e credibilidade.
A verdade já não importa. Importante mesmo é como ela pode servir a nós e ao grupo que pertencemos. O resto, a gente apenas ignora.
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