Eu tenho um pavor único: estar dormindo enquanto a melhor parte da minha vida acontece.
Há quem ame uma soneca entorpecente. O que não gosto é da embriaguez que o sono de fuga provoca em quem se acovardar diante dos pensamentos mais profundos que transitam na sua própria mente.
Eu tenho a alma de encarar tudo. Talvez seja por isso que não quero estar sonolento enquanto um edifício de felicidade está sendo construído bem na minha frente. Não quero perder a vida numa preguiça provocada.
Quero assistir cada madeira sendo serrada, cada pedra se misturando no cimento, cada tijolo sendo organizado em tudo. Não quero estar deitado numa cama quando a euforia correr lá fora.
Não quero estar embebedado pelo ostracismo de um sonho, e descobrir no começo do dia, que aquilo nunca foi real. Eu quero o barulho das pessoas, as risadas investidas, os choros maiúsculos e as companhias recorrentes. Tudo acordado.
Deixo pra dormir nos intervalos e nos finais. Dou ouvidos a preguiça somente quando não tiver em mim mais o vigor da juventude, a energia da busca diária por sentido ou quando faltar em mim qualquer razão para acordar.
Por enquanto, eu quero mais é abrir os olhos cedo, aproveitar o presente do dia e cogitar possibilidades viáveis. Quero estar acordado quando o amor chegar, quando a sorte surgir, quando o inimigo aparecer, e viver tudo até que meus olhos me obriguem a obedecê-lo.
Cair no sono como um vicio do tédio me parece coisa de gente sem muita ambição. Faz parte dos planos dos que estão cansados de tudo. O cansaço incessante é, para mim, a maior demonstração de que a vida serena se tornou um peso. Dormir sem escolha é para alguém só tem a piedade de si mesmo.
De olhos fechados, estirados num lençol abarrotado, sem força para continuar seja lá o que for, pernoitam essa gente esgotada, fadigada de não ter o que se quer, triste por ter tido mas já não ter, sem coragem de acordar para constatar que de tanto querer sem poder, o sono o consola da verdade.
Não tenho paciência para gente que sente um sono interminável, levemente ridículo, incansavelmente improdutivo e quase culposo, que vivem num esconderijo de si mesmo, dentro do calabouço de uma vida enfadonha, em um lugar dormente para não enfrentar o que os olhos abertos não conseguem esconder.
Não falo do sono tranquilo de uma alma que precisa se recompor, nem da cama restauradora diante de um dia agitado, mas me refiro a aqueles que estão atrás de um sono profundo que vele a pessoa que carrega obrigatoriamente naquele próprio corpo desanimado.
Quando o melhor a se fazer é estender o corpo sobre a cama, suspirar devagar e deixar que tudo durma, já não sou eu quem dorme, mas é minha alma que precisa encontrar uma nova razão pra levantar, tomar um bom café, recolher os cobertores e caminhar para alguém lugar em que o sono não seja uma distração, mas uma necessidade de recarregar-se.
O sono do covarde é diferente do sono do herói. Um dorme como recompensa do que fez o outro, dorme porque não quer acordar. Tomara que o sono interminável não seja uma desculpa para disfarçar o óbvio. Dormir não pode ser uma vingança contra a notável falta de sentido pra acordar.