Deve ter uns dois ou três anos que chegou até mim um e-mail de um leitor me questionando a respeito de uma história horrível que ele havia ouvido de terceiros sobre a suposta razão do fim do meu casamento.
Os fatos que ele me contava eram totalmente inverídicos. Colocaram-me como um sujeito completamente horripilante e grosseiro. Tornei-me, na versão daquele sujeito, um personagem tenebroso e maldoso do qual eu jamais seria capaz de ser. Tinha alguém me punindo por esporte.
Eu estava no avião há muitos pés de altura em direção de uma praia linda. Quando me dei conta de que estava sem internet para responder, me deu um certo desespero e um desejo de estar em terra firme o mais rápido possível.
Constatei um flagrante enorme: Eu estava tão acostumado a ganhar likes que não era capaz de enfrentar, de maneira calma, uma mentira deslavada.
Era como se diante do espelho tivesse que confessar em voz alta que me importava demais com aquilo que as pessoas achavam sobre mim.
Não é mais segredo para ninguém que precisamos de likes para nos sentir felizes e amados. Somos reféns da nossa própria exposição.
Quando penso na minha jornada escrevendo na internet, no tanto de leitores que tive e na quantidade enorme de coisas que pude viver, é impossível não lembrar de três momentos importante que acabaram mudando minha vida, mas também me expondo muito mais que deveria.
Acompanhe comigo até o final do raciocínio.
Antes, uma pequena contextualização…
Aos vinte anos, decidi que ia escrever pequenos textos no meu Facebook — na época em que tinha gente sobrando por lá — colocando alguns pensamentos e ideias a respeito do que eu estava vivendo e pensando naquela fase da vida. Já reparou que o jovem tem um desejo ou desespero ímpar de ser ouvido?
Pois bem, apenas comecei. Fui convidado, ainda na faculdade de jornalismo, por um portal local para escrever crônicas semanais. Era um site cultural pequeno, mas tinha até que um público fiel. Aprendi ali a contar histórias e entreter pessoas com minha escrita criativa.
Esses textos acabaram agradando bastante pessoas de círculos próximos, e, sem querer fui construindo o primeiro grupo de pessoas que gostava de ler o que eu escrevia.
Mais tarde, um amigo, que pertencia a um dos maiores blogs do Brasil na época, me convidou para escrever por lá e dividir um pouco o que eu pensava com outros jovens. Era a primeira vez que eu tinha milhões de leitores e feedbacks de um grande público.
Este projeto durou quase dez anos, até que nos tornamos atarefados o suficiente para não conseguir dar conta do site. Acabamos encerrando uma década de conteúdo formando o pensamento de uma geração inteira de jovens, que hoje, assim como eu, tornaram-se adultos. Ainda fico feliz quando sou abordado por antigos leitores dizendo que o MVC mudou a vida deles.
Quando entrei na faixa dos vinte e mais alguns anos de idade, acabei me casando. Este episódio colocou diante de mim um novo momento de vida e um novo assunto para compartilhar. Junto com a minha ex-esposa, criei um blog para compartilhar um pouco deste novo momento e contar o que aprendíamos sobre viver à dois, sobre convivência e relacionamentos.
Este foi um dos projetos que mais gostei de criar e que também me colocou no mundo como um legítimo criador de conteúdo em série. Acabamos sendo uma referência de casal para muita gente na internet. Tem lá seu bônus, mas ônus inevitáveis. Sem que eu medisse os danos disso, pudemos viver muita coisa por causa desse projeto.
Foram quase três anos de conteúdos diários, e, lidando com milhares de leitores aprendendo o desafio de amar e viver juntos. O Casal do Blog acabou sendo mais um case de como criar conteúdo de valor pode gerar engajamento e influência.
Por causa desse segundo projeto, fui convidado para escrever artigos sobre trabalho, propósito e os desafios da nova geração no mercado dentro da plataforma do Linkedin. Naquela época, estava insatisfeito com meu trabalho e diante de uma nova jornada de me tornar um verdadeiro escritor e viver da sua escrita, comece a compartilhar conteúdo sobre essa temática que foi bastante lido e compartilhado.
Culminou que, junto com o fim do meu casamento, recebi um reconhecimento bastante importante e me intitularam como um dos Top Voice Linkedin no Brasil, que nada mais é do que estar na lista de um dos criadores de conteúdo mais influentes do Linkedin.
Claro que isso me gerou milhares de seguidores, negócios e oportunidades, mas essa exposição me trouxe muito trabalho, e foi esta, a porta mais viável que tive para viabilizar a minha loucura de viver somente de escrita, consegui viajar o país inteiro palestrando, dando aulas e vivendo o sonho de ser um influenciador de verdade.
Até aqui, parece um cenário que muita gente gostaria de estar inserida, mas tenho quase como que uma obrigação te contar umas verdades sobre essa realidade de ser reconhecido nas redes sociais e viver uma exposição para além dos privilégios.
Sobre essa coisa de todo mundo saber tudo sobre você
Diante de todo esse contexto, passei a pensar sobre como toda essa exposição acabou me trazendo muita coisa incrível na vida, mas também acabou gerando um custo mental muito grande.
Não quero nem entrar no mérito se, é certo ou errado, se é vantajoso ou não, se é ingratidão ou não, mas quero realmente filosofar sobre esta ideia de sucesso distorcida que na verdade é a maior evidência de que estamos viciados em viver uma vida de aparência para além da realidade concreta.
Quero começar essa conversa trazendo um personagem bem comum nos dias de hoje. O Instagram tem criado personalidades que tornam-se evidentes por motivos externos, e isso, realmente tem me feito pensar sobre como a gente projeta demais a nossa expectativa na ideia da imagem que construímos. Estamos sempre atrás de audiência e likes como a possível solução para todos os nossos problemas.
Aprendi, com tudo isso que esta realidade pode ser bem nociva para nossa mente e temos que viver como escravo de uma imagem que transmitimos aos outros.
Estamos, por outro lado, de maneira irresponsável, seguindo e empoderando milhares de modelos prontos e simulados de perfis que nos vendem uma falsa ideia sobre propósito, motivação, sucesso, beleza, relacionamentos, saúde e trabalho.
A sensação virtual imagens editadas representam a realidade
As fotos revelam poses montadas, os vídeos são disciplinarmente editados e nada do que colocamos online representa a veracidade completa dos fatos.
Deixamos a refeição esfriar para retratar uma imagem de um prato saudável, fazemos fotos das enormes mesas de pessoas para dizer que temos muitos amigos e somos muito queridos, registramos o treino da academia para ganhar elogios e postamos a capa do livro que nem abrimos para que pensem que somos estudiosos. Tudo filtrado.
Documentamos o pôr do sol que não aproveitamos buscando o ângulo mais perfeito, os sorrisos brancos construídos diante das legendas com letras de música, clicamos o retrato das asas do avião, do copo do Starbucks, da caneca Geek, da mão do companheiro, mas tudo isso é dirigido e montado. Tudo pensado.
Espetáculos para todos os lados
Lembrei por um instante do Gui Debord, autor que escreveu um livro chamado “A Sociedade do Espetáculo” em 1967, descrevendo uma sociedade que vive uma recorrência de espantosos espetáculos construindo personas de si, fantasiando ambientes e vivendo farsas bem realistas. Isso porque ele não fazia ideia de que criaríamos o Instagram.
Ele não fazia ideia de que teríamos um lugar oficial para parecer o que não somos, para enchermos de frases motivacionais que não serve de bengalas emocionais, que viveríamos um momento de palcos montados, inúmeros quilos de vídeos sobre tudo e palestras com pessoas se promovendo como especialistas de qualquer coisa, de enormes álbuns de histórias bobas de superação.
A felicidade tem que estar além dos likes
Foi por isso que fiz uma escolha fundamental. Decidi parar com essa coisa de atrelar sucesso a likes. Isso é viciantemente e nos causa um mal danado. Precisei abandonar o script de alimentar-se de infindáveis fórmulas de sucesso que vivem nas bocas enganadoras de empreendedores de palco.
Não nego que foi importante ter tido a minha fase de ser convidado pra grandes eventos, de ser visto como uma referência de escritor, ter reconhecimento de alguns nichos que sempre sonhei em estar, de ter experimentado um pouco do fruto do meu trabalho de anos. No entanto, passei a ver isso tudo com um olhar mais cuidadoso.
Eu acredito que todo o meu reconhecimento como produtor de conteúdo, não pode ser medido apenas com likes e visibilidade exponencial, mas tive que aprender que meu valor está justamente em não negar que poderia ser a mim mesmo antes de ser aquele cara que todo mundo queria que eu fosse.
Consegui, depois de muito apanhar, entender que não precisava mostrar para todo mundo todos os lugares que eu trabalhava, todas as vezes que recebia um elogio, todo o meu esforço para viver o sonho de trabalhar com o que eu amo. Eu poderia fazer tudo isso que o reconhecimento viria sem forçar a barra.
Comecei a dar mais importância para relações do que para os números. Passei a vender meu peixe apenas oferecendo a coisa certa para as pessoas certas, a trazendo transparência no que eu levo a sério e jamais tentando convencer alguém de que sou bom suficiente, com argumentos exagerados, com números mentirosos, com aparências manipuladas.
A coisa mais importante que as métricas de vaidade
Aprendi a argumentar usando a verdade como a minha principal arma. Essa foi a melhor lição dos últimos anos.
Deixei de lado o impulso de ter que contar ao mundo inteiro sempre aquilo que eu vivo. Agora, posso ir num show sem encher meu stories de vídeos, a memória do meu celular está cheia apenas com imagens importantes, possa ficar um feriado inteiro sem relar no celular, não preciso mais ter a obrigação de registrar cada cada minuto de uma viagem de férias e descansar de verdade.
A lição fundamental é que em vez de ficar com os olhos no número de seguidores, na quantidade de likes, nos views que tenho que superar, posso tranquilamente investir meu tempo e minha energia em coisas muito mais importantes do que na tarefa de manter-me famosinho na internet.
Por onde eu vou, sempre repito: Melhor do que ser relevante, é ser importante.