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O que ninguém te conta sobre morar numa cidade grande

Só é possível morar em uma cidade grande diante do mais truculento e monumental exercício constante de cinismo. Fingir é um dos pré-requisitos para viver por aqui.

A gente simula — mesmo sabendo que não — que estamos aproveitando a vida conforme conseguimos. Temos que disfarçar a vigente condição precária do outro que nos aponta o nosso mais nobre egoísmo predileto. Temos que encobrir, na maior cara de pau, a nossa própria falta de interesse pela vida alheia.

Uma outra grande questão aqui é que o morador de cidade grande não sabe fazer amizade. Calma! A culpa não é totalmente dele, suas escolhas sempre o jogam como reféns da distância, vítimas da grandiosidade, cativos da falta de tempo e escravos do ofício. Qualquer outra coisa que seja torna-se prioridade fundamental.

Dirão alguns que exagero nas palavras aqui — e propositalmente faço. Simplesmente recorto: Por todos os cantos podemos flagrar pessoas anestesiadas pela sua mais infinita solidão. E mesmo que possamos justificar a invenção dos “happy hours”, como o modelo único de mais alto nível de apreço pelo outro, ele não é o modelo de amizade mais sólido.

Embora se tente, não é possível ter uma vida normal em uma cidade grande. Não há uma pessoa sequer que tenha morado nesse lugar enorme e não tenha realmente descoberto que seus limites físicos e mentais eram mais evidentes do que imaginava.

Cenas e mais cenas

Há uma inevitável depressão coletiva, um desânimo visivelmente óbvio, um abatimento público incontestável, um natural esgotamento global, um crescente estresse comum e uma melancolia nata diante da constante ansiedade. Há flagrantes por todo lado.

Nelson emoldurou uma verdade implacável: “A maior forma de solidão é a companhia de um paulista”. Como todos que vivem em uma cidade enorme, o paulista é capaz de viver sem contar horas, amar voluntariamente o que mais lhe faz mal, envelhecer sem jamais confessar — uma vez sequer — que não vale a pena viver no galope desembestado das avenidas, ternos e túneis.

A cidade grande recebe o aplauso mais injusto do nosso fetiche por produtividade. Na sua imensidão, nos ilude. Carrega a insistente tentativa apoteótica de levar o homem ao céu. A maioria das pessoas por aqui, se imagina muito importante. Uma farsa orquestrada sordidamente aceita.

No seu engano predileto, todos aqui preferem acreditar na velocidade como o protagonista do sucesso. E enganam-se por desconsiderar que a pausa é que é a heroína. É nela que estão os encontros, as alianças, os entendimentos e as afinidades.

A pior forma de solidão é a lotada

Ela nos coloca sempre na divisa dos próprios escrúpulos, nos faz viver no limite da irremediável fronteira humana. A cidade grande golpeia duramente e camufla a mão como maldade.

A incombatível vastidão das ruas matou o olho no olho. Preferiu o descuido de desacreditar que viver é dar razão as coisas simples. E nos escondeu a possibilidade de ser humanos no metro quadrado que temos sobre os pés.

São Paulo até quando? Até quando fizer sentido. Com um pouco de sorte, você pode ser feliz num lugar como esse, mas diante da realidade baforando no cangote e gritando na mente, você não é capaz nem de respirar a poluição com merecida dignidade.

O que ninguém te conta sobre viver numa cidade grande é que aqui, os cidadãos tem a liberdade de aceitar o convite dos mais puros desejos próprios, que nestas ruas a beleza de viver é interessante apenas nos primeiros olhares, mas que desfalece num enfado visual cotidiano e enjoado de tanta verdade nua.

Nestes lugares cruéis, podemos desconfiar do que sempre acreditamos e dar crédito a mais barbara e insólita incerteza. A cidade grande é um monstro que só cresce. Quem morre, a doses milimétricas de veneno diário, é a sanidade.

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