doença

O que não te contam sobre a paranoia de uma nova dor

Nada incomoda mais a gente que o surgimento de uma dorzinha esquisita. Na medicina, o inédito e exclusivo é uma anátema. O problema não é a dor em si, mas a paranoia que vem com ela.

Todo mundo tem aquela pequena cisma, que crescentemente, cria agonias inexplicáveis. Inaugura desconfortos inevitáveis e rega um descortês e hostil sofrimento à prazo.

O local da dor está ligado diretamente ao nível da nossa preocupação. Acordar com um incômodo no peito, me fez delirar em inimagináveis pensamentos de finitude. O maldito incômodo era silencioso. Não palpitava. Não latejava. Apenas estava ali, como uma barata no banheiro ainda não descoberta.

A novata dor, vinda de um lugar desconhecido, te rouba a paz. Um furto profissional. E como qualquer recém-chegada obsessão, não conseguimos empilhar num canto. Não dá para fazer como as roupas sujas na escrivaninha. A gente tem que encarar.

A dor nem é tão grande até a gente pesquisar. Peraí, pesquisar não, investigar. O CSI do padecimento renasce. Ouvimos os passos do nosso Sherlock interno. Farejamos suspeitos mais prováveis - e quase sempre é a cerveja e o torresmo de quarta - mas, nunca, nunca descartamos as dubitáveis razões. A dor vindoura se torna como um assassino sempre a espreita que precisa ser descoberto o mais rápido possível.

Depois de certa idade, as velhas dores já tiveram tempo de se entenderem bem e protagonizarem seus sincronismos. São como comadres cordiais com hora marcada para o chá semanal. Nas suas manias se entendem umas com as outras. E a dor nova, luta por um espaço e atenção dentro da sua rebeldia juvenil.

Confessar uma dor é assumir o ateísmo fraternal. Seus amigos sempre desconfiam. Confidenciar um pecado fármaco é, na verdade, ser totalmente incompreendido. Ninguém é capaz de sentir a sua dor, mas todo mundo te recomenda curas. 

Um hipocondríaco é como aquele sniper isolado sempre à espreita de uma ameaça. Um kamikaze que encontrar na leitura da bula o seu próprio manual de guerrilha. Ele é um terrorista reconhecido que rouba para si todos os sintomas, e num vício incessante, diariamente, rapta uma nova dor e a cria em seu próprio cativeiro.

Basta amanhecer com uma nova dor e retiramos das gavetas os mais diversos especialistas de todas as áreas. E não é fácil encontrar bons médicos ouvintes. Eles vão logo tomando o atalho de, cirurgicamente, arrancar uma boa e consistente paranoia.

Na época que estamos acaba sendo sempre algo de fundo emocional. Eles mandam a gente tomar mais água, praticar atividades físicas, meditar depois do almoço e trabalhar menos. E se a gente insiste, tentando lembrar de um parente que morreu de repente - de problemas cardíacos, diabetes, bebedeira ou qualquer outra tragédia - o médico denuncia a nossa miragem mental.

Insisto. Tento explicar para o doutor que o que dói é o medo de doer, mas eles resolvem sempre dosar um pouco de bom senso para anular a medicina popular de ponta. Aguardo o dia em que as mandingas de mães e as de avós ganharão o prêmio Nobel de ciências. Os médicos terão que aplaudir as senhoras de portão. Vai ser o melhor dia da minha vida.

Volto ao cardiologista com o maior cinismo do mundo. Fingindo que a dor que tenho não é nada demais. “Cuidar muito da saúde, é doença”, lembrou-me um neurônio desse aforisma. Por um instante, abandonei a obsessão pela nova dor. Assumi que meu coração estão bem. Afinal, quem procura sempre acha. O diagnóstico? Paranoia! A mais absoluta loucura dos nossos tempos.

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