O abismo de geração é mais que um meme
“Será que vão curtir?” Se suas publicações na internet parte desse pressuposto existe uma grande chance da sua mente já ter sido infectada pela ideia de que o que realmente importa é ser reconhecido.
Isso, claro, porque aparecer, no seu sentido mais básico, se tornou uma moeda de troca social e econômica. Ter seguidores te faz popular do dia para noite e pode até pagar alguns boletos.
Toda vez que, para fazer uma auto avaliação, olhamos para uma métrica quantitativa (como números de seguidores ou de view), sem considerar a realidade mais ampla e profunda da natureza humana como sentimentos, emoções e comportamentos, corremos o risco de criar um efeito inverossímil da realidade sobre quem somos e sobre como os outros nos percebem.
Quando as perguntas principais nas redes sociais são: “será que estou fazendo sucesso?” ou “será que minha vida é interessante o suficiente para todos?”, é bastante provável que sua mente já tenha sido sequestrada pela ideia de que o valor das coisas está no quanto elas aparentam ser.
Com esta ideia na cabeça, o pensamento mais frequente se torna:
“Para ter mais seguidores que o outro — ou seja, mais expressividade de fala, mais dinheiro e mais importância social — tenho que evitar produzir algumas imagens negativas sobre mim, evitar deixar escapar pontos delicados da minha personalidade e disfarçar qualquer fraqueza sobre mim.”
O efeito do marketing de comportamento
Do ponto de vista do marketing pessoal, sinalizar virtudes e ocultar deslizes é a regra para ter sucesso. Pelo menos aquele mais superficial. Num nível mais público, temos que começar a editar o comportamento social.
Se você quer ser uma boa pessoa, não pode mais demonstrar esboçar palavras proibidas pela elite cultural, não pode demonstrar sentimento considerados nocivos como ciúmes, não pode cobrar nenhuma resposta de reciprocidade, não pode ter conversas difíceis para não ser insensível, não pode reconhecer a inveja quando alguém tem mais ou ocupou um lugar que almejava e tem que esconder todos os preconceitos nas frases prontas ou por debaixo do tapete de uma campanha da internet lacradora.
Você só pode perder a linha se isso causar uma boa impressão social, se lhe trazer algum benefício midiático, se isso lhe aproximar do coro do grupo eleito como paladino da moral e da justiça. O risco disso é a banalização de assuntos sérios, urgentes e importantes.
Nessa mesma esteira da construção da imagem pública, você tem que fazer viagens de férias para algum lugar que esteja na lista de hype como cachoeiras próxima da cidade e praias que sinalizem status social, e, de preferência, lugares com internet suficiente para fazer o horário nobre do stories.
Tudo precisa ser altamente estético. Desde a folha de alface no prato da comida vegana — porque o verde está no trending topics e nas bocas das blogueiras magras — até a taça de vinho desconhecido que você não faz ideia de onde foi produzido se transforma no elemento glamourizado.
É nesse ambiente em que a visibilidade e a exposição escondem a intenção, mas escancaram as falsas virtudes forjadas. Editar uma lágrima se torna propaganda. Se for para expor fraqueza ela precisa ser carregada por um tom de superação. Relacionamentos ótimos, pessoas bem resolvidas, que sorriem como quem ganhou na loteria da vida.
O que acontece é que acabamos colocando luzes coloridas diante das angústias. É como estar numa UTI de hospital animada que se assemelha a um parque de exposições para visitação aberta.
O que criamos com isso?
Nesse sentido, criamos um pacto emocional gigantesco com os dados que as ferramentas e suas métricas medem. Usamos esse medidor para saber se estamos ou não sendo bem avaliados, queridos e desejados por outras pessoas.
O fato é que, ao contrário do que se pensa, os jovens medicados são sim um grande potencial de produtividade. Quando imprimimos neles estímulos de uma ansiedade generalizada que nunca passa, estamos, na verdade, colocando sobre eles a ideia de que “se não correr o bicho pega”.
Embora comumente atrelamos os transtornos psicológicos a uma espécie de inércia produtiva, por outro lado, o mercado corporativo com seus truques para fazer do trabalho uma grande Disneylândia para adultos. Mesmo que seja em home-office descolado, no seu escritório pet friendly ou num bangalô na Tailândia, sempre tem alguém vendo seu custo-benefício para te dispensar aos cinquenta.
Da mesma forma, a indústria da educação é outra culpada que trocou a educação cidadã por uma fábrica de autoestima com doses diárias de pressão por resultados para agradar clientes cada vez mais exigentes.
E por último, para completar o time, tem os pais inseguros sobre o mundo, com medo de ser julgado como uns incompetentes e culpados porque não conseguem dar carinho e atenção suficiente, formam um ambiente excelente para uma geração de poucos filhos sem rigidez emocional, louca por reconhecimento e com a obrigação de dar certo e produzir muito que seus pais e mais rápido.
Eu tendo a imaginar que não só acabamos sendo uma projeção narcísica dos nossos pais, no sentido em que há uma pressão sobre a geração em se tornar um adulto perfeito — isto é, um sujeito correto moralmente, produtivo economicamente e ético socialmente — como também há uma fragilidade indomável nesta geração por uma simples falta de realidade naturalmente existencial que os impede de encarar a vida como uma verdadeira batalha em que gradativa se perde e se ganha diariamente.
Construindo pontes improvisadas
É claro que não há caminho ideal para resolver esta questão. Não há solução viável para igualar as realidades, mas é possível transformar essa guerra velada em uma bandeira branca de tréguas e compreensão.
O abismo de gerações sempre existiu. O que acredito que pode ajudar um pouco mais é, por um lado, a geração mais jovem entender que a vida não é sobre fazer apenas o que amam, nem tampouco sobre estar sempre feliz e muito menos entender a fraquezas do ser humano e o peso existencial do mundo como um grande oponente a ser combatido.
Em contrapartida, as gerações mais antigas, precisam observar a vida para além das expectativas de resultado visíveis e tornar-se menos rígidas consigo e com os outros.
Correndo o risco de ser simplista, mas confessando a limitação deste autor neste assunto, penso que os jovens precisam fazer as pazes consigo e aprender a encarar o lado cruel da vida com mais coragem e resiliência, enquanto os mais velhos, por sua vez, precisam reconciliar-se com suas culpas, faltas e com a sensação de que sua identidade está apenas ligada ao que se pode alcançar.