Tudo depende da geografia emocional e da saúde do seu olhar
Recebi uma crítica muito dura em um texto. Um sujeito escreveu nos comentários: “Este texto é um dos piores conteúdos sobre o assunto que eu já li na vida. Uma visão equivocada de tudo. Fiquei triste com o autor. Perdeu um seguidor”.
O interessante é que na linha de baixo a dele, tinha um outro comentário diferente que dizia: “Cara, resolvi comentar para dizer que isso me abriu muito a mente para o momento da vida que estou passando. Obrigado por iluminar a minha mente com isso, principalmente no parágrafo que fala tal, tal, tal…”
O pior conteúdo que alguém já leu na vida é, ao mesmo tempo, para outro, a ideia que o iluminou diante da vida. Como pode acontecer isso? Fiquei me perguntando qual seria a razão para ter duas reações distintas para o mesmo conteúdo. Porque a mesma ideia causa experiências tão diferentes?
A única possibilidade de resposta que consegui imaginar para explicar é que o olhar que damos a coisas depende do lugar emocional em que estamos e da maneira como percebemos as coisas com a lente que temos.
Em que lugar a mente de alguém tem que estar para criticar duramente algo e qual é a do outro que enxerga algo importante e útil para a sua vida?
Não quero dizer que um está em condição de análise melhor que o outro, mas posso concluir que tudo depende da geografia emocional que alguém está localizado e dos “óculos” que toma para ver algo. O impacto das coisas na nossa vida se dá por aí.
Claramente, essas duas percepções da realidade são análises de lugares diferentes, com condições distintas. Não são apenas ponto de vistas diferentes, mas tem intenções de olhares diferentes.
A saúde do teu olhar
Portanto, eu consigo imaginar uma relação que é possível concluir que a tua vida será a proporção da saúde do olhar. A tua relação com tudo que vive, pensa e se propõe a ser depende da medida em que seus olhos observam a realidade.
Tudo que pensamos, somos e fazemos, o que nos motiva ou paralisa é refém do ponto de vista que estamos dispostos a olhar para algo.
Uma coisa que um ama é, na mesma medida, algo que alguém odeia. Isso não é sobre opinião, mas tem a ver com a forma que percebemos as coisas. O exemplo que dei se refere a um conteúdo, mas isso pode refletir em assuntos como política, cotidiano, fé, comportamento, convivência relacional, ideias e até mesmo em como vemos as pessoas.
Não é novidade que as circunstâncias têm o poder de deformar o nosso olhar, mas não saber disso e não ajustar tudo isso, acaba agravando mais ainda a reação a tudo que acontece conosco.
A sanidade da mente é também fruto dos olhos. Ser atraído por diagnósticos favoráveis ou parciais produz um caos cíclico na vida. Por outro lado, se você tem maturidade e condição de avaliação mais treinada para analisar as coisas como elas são, consegue garantir, pelo menos, que não demonize a todo custo o que é diferente e nem santifique cegamente o que lhe convém.
Quando nossos olhos são direcionados para evitar o autoengano, mesmo que não concordamos, podemos usar as circunstâncias diversas para o crescimento.
O importante é não ser refém de si. Precisamos peneirar e encontrar riqueza naquilo que nos é estranho. Não dá pra se guiar somente pela estética que nos agrada mais em todas as circunstâncias. Mais importante do que ver o que queremos é ponderar a forma com que enxergamos.
Como isso afeta a gente?
Há muita gente que pensa que a vida piorou, mas pode ter sido a maneira como olham para a realidade. A grande dica é ensinar-se a toda vez que tiver afim de romper algo ou abandonar ideias, pessoas ou projetos achando que algo mudou na pessoa, na vida ou nas circunstâncias, faça primeiro uma análise sobre como está a disposição do seu olhar diante das coisas.
Todos conhecem pessoas que acreditam que ninguém presta. Para elas, todo mundo é mau caráter, não conseguem ver intenções boas em nada, guiam suas vida a partir de se sentir alvo e vítima de tudo e todos. E quando se dão conta, na verdade, estão apenas indispostos a amar.
Conhecemos pessoas que não conseguem distribuir tarefas porque acredita que ninguém é apto o bastante, competente suficiente ou responsável para depositar confiança, quando na verdade, essas pessoas são centralizadoras e não sabem lidar com pessoas que não fazem um trabalho como ela imagina que seria o ideal.
Percebe como isso nos atinge em todas as áreas? Precisamos aprender a olhar para a vida com um pouco mais de coragem, não se armando até os dentes nos relacionamentos, não acreditando que tudo conspira contra as nossas intenções, não se vendo como alguém que precisa sempre de reforço positivo para avançar. Precisamos a ler a vida considerando além do que conhecemos.
Uma história para fechar
Palestrei em um lugar num local do país conhecido por ser um lugar com muita miséria e pobreza. Fiquei num hotel muito simples que a empresa que me contratou havia arrumado. Eu ia palestrar para uma cooperativa de empreendedores e o evento seria grande, mas numa tenda no céu aberto de um espaço de eventos.
Na noite anterior, sentei na varanda com o dono da pousada porque estava muito calor no quarto e jogávamos papo fora a toa. Um dado momento, eu disse para ele que estava preocupado porque havia sinais de chuva e o evento seria arruinado por causa das tendas. Ele descascava uma laranja, e me retrucou sem olhar no meu olho, mas com uma voz paciente: “Não diga isso, moço. espera esse verão (é como ele chama o período de chuva por lá) por muitos meses. Chuva é benção demais por aqui!”.
Tudo depende da saúde do nosso olhar e da geografia emocional em que estamos.
Temos que treinar o olhar para ver onde estamos e olhar para aquilo que está enviesado no nosso olhar e comparar com a realidade concreta. Penso que assim é como cuidaremos melhor da maneira como observamos as coisas.
Estamos sempre olhando para o ideal sem ver o concreto. Falamos sobre salvar o mundo, sobre igualdade, sobre coragem, sobre assumir novos pressupostos, mas de nada adianta apenas tentar ajustar o olhar para o que gostaríamos de ver, temos que orientar as ações de acordo com a verdade que está a nossa frente.
No fundo, se queremos mudar algo, temos que transformar a si próprios. Viver um mundo novo não significa tentar fazer do mundo um reflexo de si próprio.
Se você sente-se refém do seu olhar e vítima do lugar mental em que está, não reforme visualmente o mundo ao seu redor, mas comece a agir com as convicções mais próximas de um novo momento.
Reajuste a maneira como enxerga o mundo e suas ações serão consequência disso. Não deixe as suas certezas absolutas — que nada mais é que uma visão particular — te empobrecer sobre o outro.
Estamos cada vez mais empurrados para a solidão, para venerar-se e para ouvir apenas a nós mesmo. Permita treinar novamente seu olhar diante de todas as suas ideias absolutas.
Não abandone as coisas, as pessoas, os projetos que te assustam. Encare-os.
No fim, a sua incapacidade de admitir dúvidas, vai te levar para o isolamento. Pensar dói por isso muita gente pensa pouco e prefere o caminho da passionalidade, da briga, do gritar, da divisão e do isolamento. Viram reféns de si.
Como você olha para tudo ao seu redor? Como você enxerga a sua história de vida? Como percebe o seu trabalho? Como você classifica seus sonhos, projetos e planos?
Ter a saúde do olhar te ajuda a ganhar clareza e nitidez para avançar na construção de contar sua história do jeito mais real, verdadeira e construtivo que conseguir.
Olhe com mais coragem, mude de lugar mental sempre que precisar.
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