Essa tal vulnerabilidade disfarçada esconde a nossa realidade mais profundamente essencial
Ora, ora, se não são as consequências da minha autossabotagem. Bem em minha frente. É como naqueles filmes de máfia em que um personagem carrancudo olha para seu inimigo no estilo mais Clint Eastwood possível e diz: parece que nos encontramos novamente, não é mesmo, Mr. Sabotage?
Num olhar pretensioso, flerto diariamente com a incapacidade de evitar o boicote da minha mente a mim mesmo. Vacilo na esperança de que um dia, eu e essa mania de destruir as próprias motivações, possamos ser apenas bons amigos pacíficos.
No contexto de bombardeamento de más notícias, de crescente listagem de perdas e ilhado nas suas próprias rotinas e com a liberdade de uma calçada vazia sequestrada, surge um sinal vagaroso e finito de desespero, acabando por me dar a condição de flagrar-me totalmente preso à arbitrariedade da negligência, ao desinteresse da indiferença e à indolência da inércia.
Ser vulnerável o suficiente para descobrir-se
Descubro que é inútil esperar mudanças voluntárias. E por mais que em determinadas circunstâncias, progrida um desejo de enxergar-me caminhando na direção de uma sanidade recreativa, sinto a natural inibição passiva em defender abertamente uma falsa sanidade de ser.
Permiti-me criar um discurso anti si-próprio, explicitando o desmonte implícito da minha consciência, monopolizando todas minhas maiores ignorâncias pessoais e martirizando-me no altar da divina incapacidade de ser alguém melhor.
Percebo, constrangido, como é inútil proclamar uma suposta superação de coisas tão presentes. A precoce imaturidade diante de tentar afirmar uma superioridade nos empurra para um lugar de desordem moral.
Ter sanidade, não é somente uma questão tecnicamente médica, academicamente constatável, mas principalmente, notavelmente interna e prática.
Se cada um admitir um pouco da sua falta de estabilidade, tudo pode funcionar melhor. Continuar pensando que a negação evidente das mazelas é o próprio bem, faz com que cheguemos a única conclusão clara de que de todos os pecados o mais eficiente é o da mentira.
Em uma desilusão interminável, perdoaremos tudo sem notar o dolo, transformando o dano em uma total ineficiência didática, ficando somente com o prejuízo, como se for o preço da fraude fosse sempre uma insensatez alienação de si mesmo.
Ser vulnerável para aprender a observar o primordial
É inútil afirmar o oposto do que sentimos. Quando não se entende que o senso de inexatidão humano deixamos escapar que ele só veio incorporar e perpetuar os limites claros da vida.
Quem pretende esconder-se da sua incapacidade de absorver toda suas falhas carrega consigo uma força espontânea que não protege ou fortalece as raízes mais expostas da sua alma.
Colocar-se no lugar de auto-analise, afasta de si próprio os mitos clássicos da sua laicidade mental e pessoal.
É péssimo esconder-se de si e do mundo em uma tentativa de defender uma imagem ilibada e fortalecida. Mesmo que todos os nossos valores associados sejam nobres, quando no plano mais profundo da nossas relações cedemos às pressões e chantagens de um mundo que exige perfeição pública, estamos, na verdade, esperando progresso contando com aquilo que o outro não têm nem para si próprio.
A única aliança verdadeira é que faz consigo mesmo. As filosofias que prometem estabilidade emocional, que empurram frases prontas como mantra, que mascaram suas pretensões comerciais no bojo de uma cultura do “sentir-se bem o tempo inteiro” são hesitante e ambígua, portanto, devem ser mantidas distantes e não em banho-maria até que se revelem.
Ser vulnerável para ter coragem de ser
A causa fundamental que temos para ocultar realidades óbvias, mora no acovardamento da própria coragem em defender os valores pessoais e num esforço não-calculado de produzir exatamente um resultado claro: a ascensão de um mundo de aparências que forma uma maré enorme de fingimentos e simulações.
Ao mesmo tempo, em que a fragilidade gera uma mudança radical na percepção interna de si, ela não nos deixa olhar para uma falsa restauração do mundo nos fazendo mobilizar ações em favor de uma consciência necessária:
Ser seduzido pela falsa ideia de perfeição e de um mundo restaurado recobre o ser humano e a realidade de uma imagem falsamente inofensiva, caritativa e enganosamente benemérita.
É inútil, portanto, lutar pela restauração de uma mente sensata sem exigir de si mesmo um pouco de vulnerabilidade. Não podemos andar desarmados da percepção coerente da vida, confusos com nossas próprias falsas impressões, lutando contra os próprios olhos e menosprezando os inimigos notórios.
Alimentando uma imagem ingênua de si não haverá esperança para o amadurecimento. E sem um profundo revigoramento da própria coragem de errar, não haverá gente humanamente inteira.