Um texto para quem precisa dar um jeito na vida
Ouvi dizer que as feridas sempre cicatrizam. E o que fazer com o rasgo bem no meio da memória? Uma fissura inapagável. Uma marca incorrigível. Reluzentemente cintilante, insuportavelmente intransferível, martelando a mente a cada olhada vacilante.
O registro da dor é, na verdade, permanente. O que se vai é a agonia da dor. Numa carona sem rumo.
Uma lembrança viva que serve como um diploma autografado pela vida. Quase como se fosse para mante acessa a fagulha de um amor, de um lugar, de um momento, de uma pessoa. Sempre tem uma cama limpinha para hospedar uma nova dor passageira.
Gente como a gente — sim, porque se você está aqui tem sua cadeira cativa no mundo da melancolia — que vive não apenas à flor da pele, mas um ramalhete todo, não consegue escapar de todos os encontros inevitáveis com os vestígios que um sinal provoca.
Somos cheios de cicatrizes curadas apenas por um relapso de sanidade temporária, um momento rápido de lucidez, mas que numa hora ou outra, volta a mostrar as suas rigidez emocional.
São marcas de um tempos que não temos mais, de amores que não aconteceram, de saudades extravagantemente esquisitas e que, por isso, colocamos nossos corações diante da distância inalcançável das nossas mentes.
Paira sobre a gente, então, um cansaço que antecede a busca por quietação. Sobra um pouco de descontração como pausa obrigatória. Uma folga imposta. Uma trégua forçada. Uma “desmorte”, assim, ortograficamente improvisada.
E mesmo que, no fundo, saibamos que não existe dor insuperável, apresenta-se a gente uma cisma com a possibilidade de seguir para o novo.
A vida costuma ser cruel com quem sente tudo monumentalmente. Falta saldo disponível para saque para quem sente tudo para sempre.
No final, acaba como uma esperança. Uma solução precária para quem precisa de respostas urgentemente amenizadoras. Aprendemos a comunicar com a gente mesmo num dialeto escasso.
Aos trancos e barrancos, vamos nos forçando a confiança de novas palavras, novos toques, novos olhares, novos amores, novas experiências para se arrebentar numa esquina que cruzamos sem ver direito.
Vamos ficando ranzinza com a vida. Não deixamos as pessoas saberem que são amadas. Recuamos diante do compromisso. Ignoramos a coragem. Cada insônia, um novo medo. Cada passo, uma nova paranoia.
Encontramos palavras doces que chacoalham as nossas estruturas e não deixam a gente recuperar o que perdemos no passado. Suamos frio pelos poros da pele tensa. Sentimos o som do narrador da nossa vida rindo. Descontroladamente.
Queremos erguer uma paz dentro da gente, mas só de pensar na poeira que faz uma obra nova, tentamos nos convencer que não vale a pena faxinar a alma numa segunda-feira agitada. Bagunçar é bem menos trabalhoso. Todo mundo tem no coração aquela cadeira que amontoa a roupa suja.
Fingimos cinismo e andamos propositalmente desatentos. Os sinais da vida que lutem para fazer a um outro alguém entrar de fininho na vida da gente. Nunca iludido. Ou melhor, quase nunca.
Esperamos o o dia em que essa pessoa vai inventar qualquer desculpa para não lidar com a veemência das nossas palavras e a força dos nossos abraços.
“Desculpa qualquer coisa” é o caralho. Volta aqui agora e acerta as merdas que você fez. Me lembro, de repente, que ninguém pode sair de um lugar sem que tenha realmente entrado. Meia dúzia de amassos no carro, alguns amigos e músicas em comum e um par de rodízios de Sushi não faz amores sedimentares.
Todo passado é curado com um novo tempo. Este texto não é autobiográfico, é como aqueles dias que todo mundo tem que você usufrui da casa inteiramente disponível só para você.
Vale aproveitar para tirar o lixo para fora ou amassar as caixas de pizza de ontem para caber mais, serve para recolher a pilha de roupas sujas ou apenas comprar mais com o cartão de crédito, serve para revisar seus hábitos tóxicos ou se entupir de qualquer porcaria comestível para afogar a ansiedade, você pode botar o aspirador de pó para funcionar ou ligar a tv num filme idiota do Adam Sandler e admirar a decisão boba acabou de tomar.
Dar um jeito na vida é frequente. É tarefa inacabada e recorrente. Estes parágrafos são apenas um “não pisa aí que não acabei de limpar, cara”.