MURILLO LEAL - Conteúdo e Storytelling

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O que não te contam sobre a esperança para o próximo ano

A mesa de happy hour pirateia inúmeros diplomas provisórios de filósofos. Há intelectualidade no fundo de um copo. Não é a toa que este é um cenário comum nos meus textos. O happy hour é o lugar das perguntas. E, igualmente, das respostas mais intrigantes.

Dessa vez, depois de comentarmos como o ano foi bastante turbulento, o questionamento que circulava na mesa era a respeito do que cada um esperava do ano que está entrando. Deixei que falassem primeiro. Fiquei focado em ouvir enquanto pincelava um petisco com a ponta do meus dedos.

Ouvi disciplinarmente as respostas. Eram desde bobagens abstracionistas como “Queria mais paz, mais amor, mais compreensão, mais tolerância entre as pessoas…” até o mais concreto egoísmo do “Quero conquistar <insira aqui um elemento que expressa qualquer sinal de poder, status e dinheiro>”.

Mantive o silêncio intencional. Um amigo, que muito me conhece, provocou: “Vai lá! Diz aí, Mu. Sua vez”. Terminei minha cerveja num gole único e respondi de prontidão: “Nada. Absolutamente nada”.

Entreolham-se com desconfiança como quem esperava mais. “Mas, nadica de nada? Nem um “desejinho” sequer?”, retrucou a garota. Enfatizei: “Nenhum”. O garoto de cenho franzido insistiu: “Mas, não é até meio trágico não ter esperanças de nada?”

Cuidadosamente, repliquei: “Precisamos definir melhor o que é esperança.”

Ele arriscou: “Bem, acho que é você ter planos para o futuro, ter um olhar positivo e esperar que eles aconteçam.”

Enchi o copo e desembuchei: “Acho que olhar para a vida com essa arrogância preditiva, usando uma linguagem positiva e voltada pra si é que está deixando a gente doente da cabeça.

Fiz um pausa para garantir que tinham entendido, molhei os lábios e prossegui:

“A esperança é vital para a existência, claro. Mas, os desejos, estes, estão em outra prateleira da vida. Ela normalmente não está num lugar alcançável, e adivinhem, não estou afim de ficar na ponta do pé procurando por ela. A esperança faz a gente andar, para onde? Quem é que sabe dizer?”.

Quiseram, então saber, qual era a minha esperança para o ano seguinte. Assumi: “Minha única esperança para o próximo ano, é que ele me mude de alguma forma. Que me coloque em movimento, que não poupe de nada e que me surpreenda no imprevisível. Porque a esperança, amigos, não usa das circunstâncias, favoráveis ou desfavoráveis, para existir.”

O ceticismo evidente do mundo

A desconfiança de que a felicidade — seja lá qual for a definição que você assuma para ela — tenha se tornado apenas uma realidade com dimensão totalmente impalpável é realmente uma das percepções desse tempo.

A grande questão do momento é compreender as razões pelas quais a dúvida sobre o alcance de um possível bem-estar está nos levando para um caminho da descrença absoluta e de desconfiança contínua da realidade possível.

Mesmo com este cenário aparentemente desastroso, uma teimosa confiança instintiva em uma expectativa de possibilidade melhorada é, talvez, uma das forças mais fundamentais que sustentam a existência.

Não estou falando de esperança a partir de uma conotação religiosa, mas sim de encontrar uma legítima estrada para trafegar com as nossas crenças-guias como possibilidade do exercício do bem, como oportunidade para revogar a viabilidade da indiferença e fincamos estacas em um terreno absolutamente fértil para não perder-se de si.

A descoberta de si carrega no ser humano a responsabilidade por entender-se como agente causador de certas desordens, mas o encoraja a olhar para o mundo e não distanciar-se dele, mas fazer a escolha consciente de lidar com aquilo que está no seu governo de maneira sensata e de educar-se a asfaltar o caminho pedregoso da inconstância da vida.

Em tempos nos quais o otimismo é o caminho mais fácil — e até, por vezes, glamouroso e rentável — encontramos no percurso contrário do pensamento, uma ideia de que a esperança se desenvolve em um autêntico e marginal ponto de partida:

Da vida, não se pode esperar nada. Exceto o imponderável.

Esperança no banco do réus

Entendo que não custa sonhar com uma vida em que tivéssemos mais coragem de continuar amando profundamente tudo aquilo que o mundo nos ofereceu, mas não sendo assim, diante das falhas, possamos insistir no que realizável.

Penso que seria melhor ignorar a realidade, e perceber uma geração de pessoas que não imploram por atenção num desespero de tentar ser alguém a todo custo, mas que numa sociedade da aparência, possa amar no âmbito privado sem clausulas abusivas e apostar nas pequenas conexões genuínas.

Sinto que seria fundamental que tivéssemos a coragem de defender ideias sem que precisasse considerar um julgamento prévio do outro ou que pudêssemos realmente nos abrir honestamente sobre os sentimentos que nos tomam a mente, mas diante de um cenário diferente, podemos encontrar pequenos lugares de repouso e refúgio para repensar em quem confiar.

Gostaria que apreciássemos tudo o que somos sem ofuscar-se da realidade mais grotesca, sem insistir na tentativa ingrata de demonstrar um falso interesse pelo outro, mas mediante a esse desafio, insisto na coragem de permitir a boca ser um tradutor direto do coração.

Seria maravilhoso acreditar que o bem ainda existe, as pessoas amam-se do jeito que são, que existe verão interminável, que todo mundo realmente quer o bem do outro, de si e do mundo, mas tendo um olhar cuidadoso, podemos optar por lutar pela conexão verdadeira nos pequenos vilarejos de convivência.

Um pouco de esperança para um mundo ruim

O que não tem contam sobre a esperança é que ela nos dá a coragem de ir mais fundo, nos dá o luxo de não contentar-se com a superfície da sua vida, mesmo que seja mais fácil ou mais conveniente.

É a falta de esperança que deixa este mundo com um coração desgastado, machucado por amar, ferido pelo sentir, com a sensação de incapacidade mediante qualquer coisa.

Faça o trabalho duro de não descreditar da esperança, para que tenha juízo de sentar com seus demônios e tomar uma café olhando de frente para eles sem sentir medo, para que não deixar-se de cutucar e escolher curar o que precisa.

Espero que não perca a esperança de vista, para que num futuro, mesmo que tudo pareça não ser do jeito que você pensava ser, que tenha a coragem de mudar e confiar na pessoa que está se tornando.

Há esperança para seu ano, há esperança para todas as merdas que aconteceram, há esperança para tudo que foi perdido temporariamente. Há esperança, inclusive para você.

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