MURILLO LEAL - Conteúdo e Storytelling

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Posso só responder um negócio rapidinho aqui?

Eu parei de escrever este texto pelo menos umas dez vezes. Fui obrigado a responder o irritante choro insistente do meu celular apitando como uma criança mimada no chão do supermercado.

Começo outra linha e tenho que clicar para diminuir a chuva de notificações que invade a visão da tela do meu computador como um idoso que reclama da catarata adquirida nos olhos. Se deixo, tenho apenas sessenta por cento da minha tela disponível a cada cinco segundos.

Mas, fique em paz. Já antecipo meu perdão a você porque também sei que, durante a leitura, será tentado a desviar o olhar. São notificações e janelas para todo lado. O modo avião foi a minha única e drástica solução que consegui. Agora, fora do mundo, me sinto no espaço sideral. Distante do mundo acontecendo, mas é pro próprio bem da minha produtividade.

Não tem jeito. Seja qual for o ambiente social que estivermos, lá estará o narcísico e soberbo aparelho celular nos dando suas ordens como o dono de escravos passionais condenados ao cativeiro.

O lugar do celular na vida da gente

Basta notar. Quando estamos com outras pessoas, papeando, pelo menos uma delas estará checando a tela do aparelho como um narcótico desvairado. Conservado e bem nutrido no seu hipnótico sonífero digital na mente.

Veja só o lugar que o celular ocupou na vida da gente. Pela manhã, é o primeiro a dar “bom dia”. No almoço, pode ser o companheiro fiel da distração e do entretenimento. A noite, escolta o nosso sono nos fazendo ninar acidentalmente como a sua presença de uma mãe aplicada. 

Repare bem. Quando não está na mão, está mergulhado no bolso, desfilando com seus pares na mesa ou até disputando concentração com a vida ao lado do para-brisas de uma carro. A onipresença do celular é divina. 

A invenção do smartphone e o seu conceito atual de ser um dispositivo que ocupa o lugar fundamental para a existência deixa o sujeito moderno com a sensação de estar mais informado, de achar-se mais seguro, de manter-se mais comunicável e, por sua vez, de iludir-se que é uma pessoa mais interessantes do que na sua versão secundum naturam.

Muito mais que um telefone

Não sei bem quando foi que percebi que era totalmente preso a realidade dos dispositivos. Bernardo, um amigo que é conhecido pela sua serenidade, num soco de lucidez fez uma analogia incrível: 

Dizia ele que antigamente, as famílias se reuniam nas salas de estar das casas e se posicionavam em frente a lareira para esquentar-se um pouco e ficar um tempo juntos. Ali, tinha um momento para desenvolver a intimidade.

Anos depois, esse hábito foi trocado pelo costume de acompanhar a televisão, deixamos de passar horas encarando os olhos uns dos outros para, então começar a decorar os guias de programação da televisão. O papo diminuiu e talvez tenha sido essa a mudança mais brusca rumo ao individualismo.

Tempos depois, lembrou meu amigo, que a chegada da internet, intensificou mais ainda esse distanciamento entre as pessoas. Passamos a ter uma vida basicamente virtual e individual.

Hoje não há um individuo que não tenha seu próprio mundo na caixa de botões. Até mesmos as vovózinhas de crochês, que viviam penduradas nos muros, abandonaram as fofocas presenciais e estão nos enviando mensagens de texto. Criando seu próprio jeito de usar a tecnologia. 

Por sua vez, cada um vive no seu quarto, na sua cabine, no seu próprio universo, com o seu entretenimento e diante do seu intransferível dispositivo móvel particular. As músicas e filmes, que eram atividades coletivas passaram a ser consumo restritamente próprio. 

Lembro ainda do meu pretérito primeiro celular. Era ainda o tempo em que celular era apenas para realizar ligações e funcionar como um localizador de filhos em tempo real. Eu já tinha pouco mais que quinze anos.

O que perdemos sendo refém do aparelho?

Não sei bem quando foi que me tornei autorizado a ter saudade do tempo em que passou, mas sinto saudade do giros intermináveis durante a discagem do telefone fixo branco da meu avô e das conversas obrigatoriamente curtas que tínhamos que ter.

Trago a nostalgia da emoção de ter que encontrar a lanterna perdida numa gaveta da cozinha em meio a um apagão, de roubar a calculadora profissional do meu pai para terminar o dever de casa mais rápido, de ver pessoas mais velhas lambendo as pontas dos dedos antes de virar a página de uma revista e das palavras cruzadas no jornal de domingo.

Lembro bem de sentir-se importante por preencher mais um nome numa agenda de contatos e tarefas, de abundantemente ver os recadinhos nos blocos de nota pendurados pelos cantos, de invejar jornalistas da TV com gravadores onipotentes.

Me recordo dos senhores de aparência cansada desfilando com seus relógios hereditários, dos frágeis e ensurdecedores despertador de ponta de cama, dos papéis de cartas que as meninas colecionavam nos colégios, dos garranchos indecifráveis da criançada sem Google, dos violentos tapas nas mesas pinball, do cuidado para que o papel manteiga não deslizasse enquanto contornávamos um mapa nas empoeiradas enciclopédias das bibliotecas públicas.

Ainda ouço o narrador estridente que gritava no rádio de bolso do tio Zé enquanto era transmitido um jogo de futebol qualquer, rememoro as longas tardes que eu e meu irmão Nikollas gravávamos um programa de entrevistas ficcional nas fitas k-7 da secretária eletrônica, da emoção em encontrar um CD de uma banda que gostava em promoção nas vitrines das Lojas Americanas

Alimento na memória o rosto do meu pai ao completar a cerimônia de atualizar o Guia Quatro Rodas para viajar, as belas garotas do tempo que na sua infinita credibilidade deixava a gente animado para um sol no final de semana, as inúmeras caixas de fotografias que minha mãe mantinha no último maleiro do guarda-roupa, a tinta de um anotação feita a caneta espalhada pela mão para não esquecer de algo importante e até mesmo o tédio horroroso do mais absoluto ócio adolescente sinto falta.

O celular mudou tudo

 A próxima vez que alguém lhe disse: “Posso só responder um negócio rapidinho aqui?”. Sorria, na verdade, melhor, gargalhe. Tire sarro do esquecimento fatal dele. Não deixe passar a oportunidade de escarnecer daquele que deixou-se levar pela perda do momento.

Lembre-se sozinho, enquanto ele interage com o aparelho, do tempo em que um convite de um amigo para passar tempo junto fazia a gente correr para calçar os chinelos antes que a mãe da gente se arrependesse.

Não julgo se era melhor ou pior, mas naquele tempo, a gente só tinha a presença dos amigos. Por sorte, achávamos um terreno vazio, uma arvore frutífera, um quintal extenso, um brinquedo inventado e mais nada. 

Não precisava de absolutamente mais nada do que a presença dos amigos. Não havia coisa nenhuma que nos tirasse dali. No máximo, a voz enfática de uma mãe gritando nosso nome. O resto, era atenção total aos amigos.

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